12 agosto 2013

TEORIAS DA APRENDIZAGEM

1 PROCESSO DE APRENDIZAGEM PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS - UMA BREVE ANÁLISE DAS TEORIAS DA APRENDIZAGEM - INATISMO, AMBIENTALISMO E SÓCIO-INTERACIONISMO.

Essas abordagens teóricas revelam diferentes concepções e modos de explicar as dimensões biológicas e culturais do homem e a forma pela qual o sujeito aprende e se desenvolve, e mais particularmente, as possibilidades de ação educativa. Cada uma delas é marcada pelas características do momento e do contexto sócio-histórico em que foi formulada e pelos diversos paradigmas e pressupostos filosóficos, metodológicos e epistemológicos que as inspiram.


1.   ABORDAGEM INATISTA (TAMBÉM CONHECIDA COMO APRIORISTA OU NATIVISTA)

ü    FUNDAMENTOS TEÓRICOS E FILOSÓFICOS: Inspirada nas premissas da filosofia racionalista e idealista se baseia na crença de que as capacidades básicas de cada ser humano, personalidade, potencial, valores, comportamentos, formas de pensar e de conhecer são inatas, ou seja, já se encontram praticamente prontas no momento do nascimento. Enfatiza assim os fatores maturacionais e hereditários como definidores da constituição do ser humano e do processo de conhecimento.

ü    DESCONSIDERA: As interações sócio-culturais na formação das estruturas comportamentais e cognitivas da criança. Nessa visão o desenvolvimento é pré-requisito para o aprendizado.

ü    ASPECTO PEDAGÓGICO: A educação pouco ou quase nada altera as determinações inatas. Os processos de ensino só podem se realizar na medida em que a criança estiver "pronta", madura para efetivar determinada aprendizagem. Esse paradigma promove uma expectativa significativamente limitada do papel da educação para o desenvolvimento individual, na medida em que considera o desempenho do aluno fruto de suas capacidades inatas.

ü    PRÁTICA PEDAGÓGICA: Na prática escolar, podemos identificar as conseqüências da abordagem inatista.
• Não desafia, não instrumentaliza o desenvolvimento de cada indivíduo, pois se restringe àquilo que ele já conquistou;
• Prática pedagógica espontaneísta, pouco desafiadora, na maior parte das vezes, subestima a capacidade intelectual do indivíduo, na medida em que seu sucesso ou fracasso depende quase exclusivamente de seu talento, aptidão, dom ou maturidade;
• Desconfia do valor da educação e do papel interveniente e mediador do professor;
• Atuação se restringe ao respeito às diferenças individuais, aos desejos, aos interesses e capacidades manifestadas pelo indivíduo, ao reforço das "características inatas" ou ainda à espera de que processos maturacionais ocorram.

ü  CONSEQUENTEMENTE:

• O desempenho das crianças na escola deixa de ser responsabilidade do sistema educacional;
• Terá sucesso a criança que tiver algumas qualidades e aptidões básicas, que implicará na garantia de aprendizagem, tais como: inteligência, esforço, atenção, interesse ou mesmo maturidade de aprender;
• A responsabilidade está na criança (e no máximo na família) e não na relação com o contexto social mais amplo, nem na própria dinâmica interna da escola.


2.      CONCEPÇÃO AMBIENTALISTA (TAMBÉM CHAMADA DE ASSOCIACIONISTA, COMPORTAMENTALISTA OU BEHA VIORISTA).

ü    FUNDAMENTOS TEÓRICOS E FILOSÓFICOS: Inspirada na filosofia empirista e positivista atribui exclusivamente ao ambiente a constituição das características humanas e privilegia a experiência como fonte de conhecimento e de formação de hábitos de comportamentos. Assim as características individuais são determinadas por fatores externos ao indivíduo. Nesta abordagem desenvolvimento e aprendizagem se fundem e ocorrem simultaneamente.

ü    O PAPEL DA ESCOLA E DO ENSINO: O ensino é supervalorizado, já que o aluno é um receptáculo vazio, a transmissão de um grande número de informações torna-se de extrema relevância. A função primordial da escola é a preparação moral e intelectual do aluno para assumir sua posição na sociedade, através da "transmissão da cultura" e a "modelagem comportamental" das crianças.

ü    ASPECTO PEDAGÓGICO: OS conteúdos e procedimentos didáticos não precisam ter nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. O que predomina é a palavra do professor, as regras impostas e a transmissão verbal do conhecimento. O educando assume uma posição secundária e marcadamente passiva (imaturo, inexperiente), cabe ao aluno apenas executar prescrições que lhes são fixadas por autoridades exteriores a ele.

ü  PRÁTICA ESCOLAR:
• Valoriza-se o trabalho individual, a atenção, a concentração, o esforço e a disciplina, como garantias para a apreensão do conhecimento;
• Ensino centrado no professor, que monta programas a partir de uma progressão de grau de complexidade da matéria;
• O professor é o elemento central e único detentor do saber, é quem corrige, avalia e julga as produções e comportamentos dos alunos, principalmente seus "erros e dificuldades";
• O professor deve promover situações propícias para que se processem associações entre estímulos e respostas corretas, pois o erro deve ser evitado;
• Neste paradigma a aprendizagem é confundida com memorização de um conjunto de conteúdos desarticulados (da realidade), conseguida através da repetição de exercícios sistemáticos de fixação e cópia e estimulada por reforços positivos (elogios, recompensas) ou negativos (notas baixas, castigos etc);
• O método é baseado na exposição verbal, análise e conclusão do conteúdo por parte do professor;
• A verificação da aprendizagem se dá através de periódicas avaliações (vistas como instrumento de controle e de checagem da necessidade de reformulação das técnicas empregadas);
• Uma faceta do espontaneísmo, baseado nesses pressupostos, se fundamenta na convicção de que o desempenho e as características individuais do aluno são resultantes da educação recebida em sua família e do ambiente sócio-econômico em que vive. As dificuldades na escola são atribuídas aos fatores do universo social, tais como: a pobreza, a desnutrição, a composição familiar, a crise econômica que o país atravessa, ao ambiente em que vive, à violência da sociedade atual, à televisão etc.
Assim, já que dependem de fatores externos à escola, a solução não está ao alcance dos educadores.


3. A ABORDAGEM SÓCIO-INTERACIONISTA DE VYGOTSKY

Os postulados de Vygotsky são radicalmente diferentes das concepções expostas acima. Podemos considerá-lo representante de uma outra maneira de entender a origem e evolução do psiquismo humano, as relações entre indivíduo e sociedade e, como conseqüência, um modo diferente de entender a educação: a Concepção Interacionista.


ü  FUNDAMENTOS TEÓRICOS E FILOSÓFICOS:

• Vygotsky, inspirado nos princípios do materialismo dialético, considera o desenvolvimento da complexidade da estrutura humana como um processo de apropriação pelo homem da experiência histórica e cultural. Segundo ele, o organismo e meio exercem influência recíproca, portanto o biológico e o social não estão dissociados. Nessa perspectiva, a premissa é de que o homem constitui-se como tal através de suas interações sociais, portanto, é visto como alguém que transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada cultura. É por isso que seu pensamento costuma ser chamado de sócio-interacionismo.

• Ao admitir a interação do indivíduo com o meio como característica definidora da constituição humana,- Vygotsky refuta as teses antagônicas e radicais que dicotomizavam o inato e o adquirido: as abordagens ambientalistas (pela exagerada e exclusiva ênfase às pressões do meio) e nativista (pelo desprezo às influências externas e pela supervalorização do aspecto hereditário maturacional). Suas proposições apontam para uma superação das oposições consagradas no campo teórico da Psicologia, na medida em que indicam novas bases para a compreensão da atividade humana.
• É necessário ressaltar que na abordagem sócio-interacionista o que ocorre não é o somatório entre fatores inatos e adquiridos e sim uma  interação dialética que se dá, desde o nascimento, entre o ser humano e o meio social e cultural que se insere.
• O conceito de mediação é considerado um dos pilares das teses vigotskianas, também revela grandes aproximações com a abordagem do materialismo histórico-dialético. Vygotsky estendeu a noção de mediação homem-mundo pelo trabalho e o uso de instrumentos ao uso de signos.

ü O PAPEL DA ESCOLA E DO ENSINO: Para Vygotsky a escola tem um papel diferente e insubstituível na apropriação pelo sujeito da experiência culturalmente acumulada, por oferecer conteúdos e desenvolver modalidades de pensamentos bastante específicos. Justamente por isso ela representa o elemento imprescindível para a realização plena do desenvolvimento dos indivíduos, já que promove um modo mais sofisticado de analisar e generalizar os elementos da realidade: o pensamento conceitual.

Na escola, as atividades educativas, são sistemáticas, têm uma intencionalidade deliberada e compromisso explícito (legitimado historicamente) em tomar acessível o conhecimento formalmente organizado. Nesse contexto as crianças são desafiadas a entender as bases dos sistemas de concepções científicas e a tomar consciência de seus próprios processos mentais.

Ao interagir com o conhecimento, o ser humano se transforma: aprende a ler e a escrever, obter o domínio de formas complexas de cálculos, construírem significados a partir das informações descontextualizadas, ampliarem seus conhecimentos, lidar com conceitos científicos hierarquicamente relacionados, são atividades extremamente importantes e complexas, que possibilitam novas formas de pensamento, de inserção e atuação em seu meio.

Para Vygotsky, o fato do indivíduo não ter acesso à escola significa um impedimento da apropriação do saber sistematizado, da construção de funções psicológicas mais sofisticadas, de instrumentos de atuação e transformação de seu meio social e de condições para a construção de novos conhecimentos.

No entanto Vygotsky coloca que a freqüência constante da criança na escola não é garantia de que o indivíduo se apropria do acervo de conhecimentos sobre áreas básicas daquilo que foi elaborado por seu grupo cultural. O acesso a esse saber dependerá, entre outros fatores de ordem social, política e econômica, da qualidade do ensino oferecido.

Nesse sentido, o pensamento de Vygotsky traz uma outra implicação: contribui para suscitar a necessidade de uma avaliação mais criteriosa de como essa agência educativa vem desempenhando sua tão relevante função. Vygotsky afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicológicas que estão em via de se completarem. Essa dimensão prospectiva do desenvolvimento psicológico é de grande importância para a educação, pois permite a compreensão de processos de desenvolvimento que, embora presentes no indivíduo, necessitam da intervenção, da colaboração de parceiros mais experientes da cultura para se consolidarem e, como conseqüência, ajuda a definir o campo e as possibilidades da atuação pedagógica.

A qualidade do trabalho pedagógico está associada, nessa abordagem, à capacidade de promoção de avanços no desenvolvimento do aluno. Essa posição encontra fundamento no conceito de zona de desenvolvimento proximal que descreve o "espaço" entre as conquistas adquiridas pela criança, e aquelas que, para se efetivar, dependem da participação de sujeitos mais capazes. Esse princípio desestabiliza algumas crenças bastante cristalizadas no âmbito pedagógico.

A escola desempenhará bem seu papel, na medida em que, partindo daquilo que a criança já sabe (o conhecimento que ela traz do seu cotidiano, suas idéias a respeito dos objetos, fatos e fenômenos, suas "teorias" a cerca do que observa do mundo), ela for capaz de ampliar e desafiar a construção de novos conhecimentos, incidirem na zona de desenvolvimento potencial dos educandos. Desta forma poderá estimular processos internos que acabaram por se efetivar: passando a constituir a base que possibilitará novas aprendizagens.

Vygotsky afirma que a escola deve ser capaz de desenvolver nos alunos capacidades intelectuais que lhes permitam assimilar plenamente os conhecimentos acumulados. Isto quer dizer que ela não deve se restringir a transmissão de conteúdos, mas principalmente, ensinar o aluno a pensar, ensinar formas de acesso e apropriação do conhecimento elaborado, de modo que ele possa praticá-las autonomamente ao longo de sua vida. Essa é, segundo ele, a tarefa principal da escola contemporânea frente às exigências das sociedades modernas.

ü  PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: De acordo com os postulados de Vygotsky sugerem a necessidade de redefinição da função do professor. Nessa abordagem o professor deixa de ser visto como agente exclusivo de informação e formação dos alunos, uma vez que as interações estabelecidas entre as crianças também têm um papel fundamental na promoção de avanços no desenvolvimento individual.

No cotidiano escolar o professor desempenha a função de mediador e possibilitador das interações entre os alunos e estes com os objetos do conhecimento;
• A intervenção "nas zonas de desenvolvimento proximal" dos alunos é de responsabilidade (ainda que não exclusiva) do professor visto como um parceiro privilegiado, justamente porque tem maior experiência, informações e a incumbência, entre outras funções, de tornar acessível ao aluno o patrimônio cultural já formulado pelos homens e, portanto, desafiar através do ensino os processos de aprendizagem e desenvolvimento infantil;
• Mas que o professor possa intervir e planejar atividades que permitam avanços, reestruturação e ampliação do conhecimento já estabelecido pelo grupo de alunos é necessário que conheça o nível efetivo das crianças, ou melhor, suas descobertas, hipóteses, informações, crenças, opiniões, enfim, suas "teorias" acerca do mundo circundante. Este deve ser considerado o "ponto de partida". Para tanto, é preciso que, no cotidiano o professor estabeleça uma relação de diálogo com seus alunos e crie situações em que eles possam expressar aquilo que já sabem. Enfim, é necessário que o professor se disponha a ouvir e notar as manifestações infantis;
• Explicações, demonstrações, justificativas, abstrações, questionamentos do professor são fundamentais no processo educativo;
• O professor deve também promover situações que incentivem a curiosidade das crianças, que possibilitem a troca de informações entre os alunos e que permitam o aprendizado das fontes de acesso ao conhecimento.
• É oportuno que planejem que envolvam a observação, resolução de questões específicas, propostas de estudos e preparação de seminários, palestras, ou outras apresentações. Nesse sentido, a observação e o registro (diários, relatórios, etc) das características do grupo (como produzem, de que modo interagem, como se relacionam com os diversos objetos de conhecimento, suas descobertas, principais dúvidas e dificuldades, interesses, como brincam etc) pode ser uma fonte preciosa para o planejamento de atividades significativas e eficientes em termos de objetivos que se quer alcançar.


























2 A ABORDAGEM INATISTA-MATURACIONISTA



Todos nós já ouvimos ou dissemos coisas como: "Ele ainda não tem maturidade para aprender a ler"; "Meu filho tem uma aptidão incrível para a matemática"; "A Marina é tão inteligente! Puxou ao pai!".

Maturidade, aptidão, inteligência são temas tradicionalmente abordados pela psicologia numa perspectiva que atribui um papel central a fatores biológicos no desenvolvimento da criança. Essa perspectiva, que estamos denominando inatista-maturacionista, parte do princípio de que fatores hereditários ou de maturação são mais importantes para o desenvolvimento da criança e para a determinação de suas capacidades do que os fatores relacionados à aprendizagem e à experiência.

Mas o que são esses fatores hereditários ou de maturação?
A hereditariedade pode ser entendida como um conjunto de qualidades ou características que estão fixadas na criança, já ao nascimento. Ou seja, quando falamos em hereditariedade estamos nos referindo à herança genética individual que a criança recebe de seus pais. Todos sabemos que traços como, por exemplo, a cor dos olhos e do cabelo, o tipo sanguíneo, o formato da orelha e da boca já estão determinados geneticamente quando nascemos.

A idéia de maturação refere-se a um padrão de mudanças comum a todos os membros de determinada espécie, que se verifica durante a vida de cada indivíduo. O crescimento do feto dentro do útero da mãe, por exemplo, segue um padrão de mudanças biologicamente determinado. As transformações do corpo, o crescimento dos órgãos, etc. acontecem de acordo com uma seqüência predeterminada, que, a princípio, não dependeria de fatores externos.

Você pode estar se perguntando o que essa história de cor dos olhos ou do desenvolvimento do feto tem a ver com uma abordagem psicológica da maturidade, das aptidões e da inteligência.

É que, na psicologia, teóricos da perspectiva inatista-maturacionista supõem que, do mesmo modo que a cor dos olhos, aptidões individuais e inteligência são características herdadas dos pais e, portanto, já estão determinadas biologicamente quando a criança nasce. Ou então que, à maneira do crescimento das partes do corpo, o desenvolvimento do comportamento e das habilidades da criança é governado por um processo de maturação biológica, independentemente da aprendizagem e da experiência.
São essas concepções que estudaremos no decorrer deste capítulo.

A questão das diferenças individuais e a hereditariedade da inteligência: ''filho de peixe, peixinho é?








Por que as pessoas são diferentes umas das outras? Por que algumas crianças parecem mais inclinadas para atividades artísticas, enquanto outras se saem melhor com os números? Foram perguntas desse tipo que orientaram, no começo do século, as primeiras investigações psicológicas sobre o problema da natureza hereditária das aptidões e da inteligência.

Interessados em saber por que uma pessoa é diferente da outra - quanto a traços de personalidade, de habilidades, de desempenho intelectual, etc. -, pesquisadores procuraram obterem dados que permitissem estabelecer comparações entre pessoas.

Eles constataram, então, que pessoas com uma aptidão especial (um artista, por exemplo) normalmente tinham familiares que apresentavam o mesmo tipo de aptidão.  Ou, ainda, que gêmeos idênticos apresentavam aptidões e nível intelectual com um grau de semelhança maior do que o encontrado entre irmãos não gêmeos. Por outro lado, identificaram diferenças de aptidões e de traços mentais entre homens e mulheres ou entre raças diferentes.

Essas constatações foram interpretadas como indicadoras de que os fatores inatos são mais poderosos na determinação das aptidões individuais e do grau em que estas podem se desenvolver do que a experiência social e a educação. O papel do meio social, segundo essa perspectiva inatista, se restringe a impedir ou a permitir que essas aptidões se manifestem.

Assim, uma criança - filha, neta ou sobrinha de músicos - apresenta inclinação e facilidade para aprender música porque herdou de seus familiares a aptidão, o “dom” para aprender música porque foi educada num ambiente em que, provavelmente, a música é valorizada e ensinada. Do mesmo modo, crianças brancas e negras apresentam diferenças no desempenho de determinadas tarefas em razão da herança genética de suas raças, e não de diferenças culturais ou de oportunidades.

Foi nessa linha da preocupação com as diferenças individuais que se desenvolveram os primeiros estudos psicológicos com o objetivo de avaliar a inteligência. Um dos pioneiros desses estudos, o pesquisador francês Alfred Binet, interessou-se especialmente pela mensuração da inteligência através de testes.

















Quem foi Binet?
Alfred Binet nasceu em 1857 e viveu até 1911. Formou-se em Medicina, mas desde cedo interessou-se pela psicologia da criança e do deficiente, área em que se tornou conhecido.
Em 1904, quando era diretor do Laboratório de Psicologia Fisiológica dai Universidade de Sorbonne, participou de um a comissão de médicos, educadores e cientistas, nomeados pelo ministro da Instrução Pública da
França, que tinha como objetivo estabelecer métodos e formular recomendações para o ensino de crianças deficientes mentais. Binet foi incumbido da tarefa de desenvolver um instrumento que permitisse identificar as crianças mentalmente deficientes.
Como resultado de seu trabalho nessa comissão e de suas pesquisas anteriores, ele publicou em 1905, com a colaboração de Théodore Simon, a primeira escala para a medida da inteligência geral. Essa escala, que se tornou conhecida como escala Binet-Simon, passou por duas revisões: a primeira, em 1908, e a segunda, em 1911, pouco antes da morte de Binet.
Pode-se dizer que o desenvolvimento dessa escala marcou o início da medida da inteligência, tais como a conhecem hoje.  Os testes de Binet e Simon furam traduzidos e utilizados também em muitos outros países e deram origem a inúmeras revisões, realizadas por outros pesquisadores, bem como inspiraram. A elaboração de outros testes de inteligência. No Brasil, seus estudos e testes foram introduzidos em 1916 por educadores ligados ao Laboratório de Psicologia Pedagógica do Rio de Janeiro.


Binet concebia a inteligência como uma aptidão geral que não depende das informações ou das experiências adquiridas no decorrer da vida do individuo. Segundo ele, as principais características da inteligência seriam as capacidades de atenção, de julgamento e de adaptação do comportamento a objetivos:

Parece-nos que na inteligência há uma faculdade fundamental... Esta faculdade é o julgamento, também chamado bom senso prático, iniciativa, a faculdade de adaptar-se às circunstancias. Julgar, compreender e raciocinar bem; estas são as atividades essenciais da inteligência.

(Binet e Simon, O desenvolvimento da inteligência nas crianças. Apud Bee, 11)

É importante compreender que, nessa perspectiva, a idéia de inteligência não se confunde com os conhecimentos adquiridos pelo individuo durante sua vida. Habitualmente, consideramos como muito inteligente uma pessoa que demonstra ter um vasto conhecimento; ou seja, dizemos que os mais inteligentes (entre nossos colegas, por exemplo) são os que sabem mais.

No entanto, o que define a inteligência de um individua não é a quantidade de conhecimento que ele possui, mas sua capacidade de julgar, compreender e raciocinar. Essa capacidade, segundo Binet, não pode ser aprendida, mas ao contrário, são biologicamente determinadas. Assim, a inteligência é vista como um atributo do individuo fixado pela hereditariedade e, com tal, variável de uma pessoa para outra.





Padrões de desenvolvimento: o que é próprio de cada cidade?


Mas, se as pessoas são diferentes umas das outras nas suas aptidões, traços de personalidade ou de inteligência, existem também muitas semelhanças entre elas. A maioria dos bebes, por exemplo, torna-se capaz de se sentar antes que possa se arrastar, engatinhar e depois andar.  Do mesmo modo, quando começa a falar, a criança primeira diz apenas palavras isoladas, e só depois juntas duas ou mais palavras, formando frases. Ou, então, antes de desenhar casas, animais ou carros, a criança rabisca traços e círculos.

Essas seqüências parecem se repetir sempre em relação à maioria das crianças, o que sugere a existência de certo padrão de desenvolvimento humano. Esse fato tem chamado a atenção de muitos pesquisadores desde as primeiras décadas deste século. Um dos primeiros psicólogos a se interessarem por essa questão foi Arnold Gesell, nos Estados Unidos. Ele se preocupou com a evolução da criança, do nascimento aos 16 anos, e estudou as formas que seu comportamento vai tomando no decorrer dessa evolução.

Quem foi Gesell?

Pesquisador norte-americano que viveu entre 1880 e 1961, Gesell foi o principal expoente das teorias do desenvolvimento que dão maior ênfase ao papel da maturação: Desde muito cedo; logo que formado na Escola Normal (Magistério), dedicou-se à carreira de professor. Foi diretor de colégio e escreveu sua primeira tese sobre um assunto ligado à pedagogia. Depois de doutorar-se em psicologia, Gesell retomou o seu trabalho como professor em uma escola primária. Alguns anos depois, decidiu-se por fazer ó curso de Medicina e assim que o concluiu foi nomeado professor de Higiene da Criança na Escola de Medicina de Yale, cargo que ocupou até a sua aposentadoria.
  Em 1915, Gesell passou a empregar a psicologia com vistas em proporcionar ajuda pedagógica às crianças desadaptadas. Ele é, por isso, considerado o primeiro psicólogo escolar norte-americano.
Preocupado com a criação de uma ciência do desenvolvimento humano que integrasse todos os recursos da psicologia experimental, da biologia evolutiva e da neurofisiologia, de 1920 a 1961 Gesell dedicou-se à pesquisa cientifica e à publicação de livros e artigos.

Pode-se dizer que Gesell foi o primeiro teórico da maturação, uma vez que defendia a prioridade dos fatores de maturação sobre os fatores de aprendizagem, ou de experiência, na evolução do comportamento da criança. Para ele, o que explica a existência de um padrão de desenvolvimento comum à maioria das crianças é o processo de maturação biológica inerente às transformações por que passa o comportamento da criança.

Assim, a evolução psicológica da criança seria determinada biologicamente, do mesmo modo que o crescimento do feto no útero materno. Seus comportamentos e formas de pensar tornam-se mais complexos à medida que ela cresce que seu sistema nervoso, sua estrutura muscular, etc. se desenvolvem. O ambiente social e as influências externas, de modo geral, limitam-se a facilitar ou dificultar o processo de maturação. Por exemplo, uma criança que raramente é tirada do berço e deixada à vontade no chão, certamente/ai demorar mais para engatinhar ou andar. Em condições adequadas, seu desenvolvimento se processaria no ritmo e na seqüência determinados pela maturação.

Tanto Binet quanto Gesell, acreditando que a inteligência e o desenvolvimento psíquico da criança são biologicamente determinados, preocuparam-se em descrever comportamentos e habilidades típicos de cada faixa etária.

 Binet estava interessado, como já dissemos, em medir e comparar a inteligência das pessoas. Mas, se podemos medir a altura ou o tamanho do dedo de uma criança simplesmente usando uma fita métrica, medir a inteligência é bem mais complicado. Enquanto aptidão geral do indivíduo, a inteligência não pode ser medida diretamente, mas apenas através de algumas de suas realizações. Por isso, para construir um teste de inteligência, Binet precisava conhecer o que crianças são capazes de fazer em cada idade.

Essa também foi uma necessidade experimentada por Gesell. Preocupado em compreender a evolução da criança, ele procurou estabelecer escalas de desenvolvimento que permitissem comparar os comportamentos de uma criança com aqueles que eram esperados, ou considerados "normais", para sua faixa etária.

Mas como foram criados os testes de inteligência e estabeleci das às escalas de desenvolvimento?

Essa é uma pergunta importante, porque sua resposta nos mostra um pouco como o conhecimento é produzido na área da psicologia. Partindo do princípio de que a hereditariedade e a maturação são os fatores mais decisivos na determinação da inteligência e na evolução do comportamento da criança, tanto Binet quanto Gesell dedicaram-se a pesquisas.

Pesquisando a criança: a construção dos testes de inteligência

Binet partiu da experimentação e da observação do que as crianças eram capazes de fazer em idades variadas. Ele procurou selecionar problemas ou questões cuja solução envolvesse os efeitos combinados da atenção, do juízo e do raciocínio e não dependesse de aprendizagens anteriores.

Essas questões eram organizadas em grupos por idade, de acordo com o seguinte critério: se um teste era resolvido satisfatoriamente por 60% a 90% das crianças de determinada idade estudadas, ele era considerado adequado para aquela idade.

Um exemplo: se todas ou quase todas as crianças de 6 anos fossem capazes de comparar dois pesos, essa tarefa era considerada muito fácil para essa idade; se 60% a 90% das crianças de 5 anos estudadas resolvessem o problema de maneira correta, ele era aceito como adequado para essa faixa etária. Do mesmo modo, se quase nenhuma das crianças de 4 anos estudadas conseguisse copiar um quadrado, essa tarefa era considerada difícil demais para essa idade.

Seguindo esse procedimento, Binet selecionava um número determinado de tarefas, em ordem crescente de dificuldade, para cada idade. Assim, o seu teste de inteligência geral, destinado a avaliar pessoas dos anos até a idade adulta, era composto por vários conjuntos de problemas: um para as crianças de 3 anos, outro para as de 4 anos, outro para as de 5 anos, e assim sucessivamente.

Por meio desses testes, a inteligência é avaliada pelo desempenho nas tarefas. O número de testes que a criança consegue resolver determina a sua idade mental ou o seu quociente de inteligência (QI). Se ela conseguir resolver todos os testes propostos para a sua idade, sua inteligência será considerada normal. Se ela também resolver corretamente alguns dos testes propostos para crianças mais velhas, seu QI estará acima da media. E se, ao contrário, ela acertar apenas questões propostas para crianças mais novas, sua inteligência será considerada abaixo da média.


Você sabe o que é o QI?

Embora confundido por muita gente com a própria inteligência, o QI (quociente intelectual) é basicamente uma comparação entre a idade mental e a idade real da criança (idade cronológica).
 A idade mental é determinada pelo número de tarefas de um teste que a criança consegue resolver corretamente. Por exemplo, se ela acerta todas as tarefas atribuídas ao grupo de 10 anos, diz-se que ela tem idade mental de 10 anos, seja qual for sua idade cronológica.
O QI é obtido quando se divide a idade mental de uma criança pela sua idade cronológica. Suponhamos que uma criança de 8 anos consiga resolver todos os problemas propostos para a idade de 10 anos, mas nada além desse nível. Diremos que sua idade mental é de 10 anos e, para calcular o seu QI, dividiremos 10 por 8, o que dá um resultado de 1,25. Por convenção, esse resultado é multiplicado por 100, para que o QI possa ser expresso em números inteiros. Isso significa que, em nosso exemplo, a criança tem um QI de 125, que é considerado acima da média.

QI = idade mental x 100
        idade cronológica

Assim, a quando a idade mental e a idade cronológica forem às mesmas, o QI serão sempre 100. Se a idade mental for inferior à idade cronológica, os resultados serão sempre inferiores a 100, o que indicará um QI abaixo da média. Se, ao contrário, a idade mental for superior à idade cronológica, o QI será sempre superior a 100, ou acima da média.

Pesquisando a criança: a elaboração das escalas de desenvolvimento

À semelhança de Binet, Gesell também se utilizou da observação e da experimentação com crianças para elaborar suas escalas de desenvolvimento. No entanto, ele introduziu uma importante inovação técnica na observação e no registro do comportamento da criança: as câmeras cinematográficas.

Na Clínica do Desenvolvimento da Criança, criada por ele em 1930 na Universidade de Yale, Gesell montou um observatório fotográfico, que era um hemisfério de 4 metros de diâmetro e 2,5 metros de altura, equipado no alto e nas paredes laterais com câmeras cinematográficas.

Enquanto Gesell submetia as crianças a vários testes – sempre voltados a descobrir o que são capazes de fazer em cada idade – as câm eras rodavam, registrando todas as reações que elas apresentavam.

Os filmes obtidos eram posteriormente analisados. Gesell procurava, então, destacar diversos aspectos da evolução do comportamento da criança postura, a locomoção, a ação de agarrar, os jogos, as condutas sociais, etc, eram minuciosamente analisados e descritos com o objetivo de captar as formas que esses comportamentos tomam no decorrer do desenvolvimento da criança.
A partir dessas análises, tornava-se possível estabelecer que comportamentos eram típicos de cada faixa etária, como, por exemplo, começar a engatinhar, colocar-se de pé e andar com apoio, subir em cadeiras ou sofás e caminhar sozinha.










Engatinhar e andar sozinho: estágios diferentes do desenvolvimento infantil
 
 




           
Essas pesquisas, baseadas na análise dos filmes, foram denominadas por Gesell pesquisas normativas, já que visavam à apreensão do ritmo e da seqüência "normais" do desenvolvimento. Assim, ao enumerar os comportamentos considerados típicos de cada faixa etária, é esse ritmo e essa seqüência que as escalas de desenvolvimento expressam.

A questão dos comportamentos típicos

Tanto Binet quanto Gesell ocuparam-se em definir os comportamentos típicos de cada faixa etária, embora a partir de perspectivas diferentes.

Como já apontamos Gesell não apenas destacava quais são os comportamentos infantis comuns a determinada idade, mas também procurava retratar a maneira como esses comportamentos evoluem, informam-se. É o caso, por exemplo, da capacidade da criança de manter-se sentada sem apoio.

É possível observar, nas figuras a seguir, que a evolução desse comportamento deve-se ao progresso do alinhamento das costas e do aumento do controle da cabeça: gradativamente as costas do bebê (que, no recém-nascido, são arredondadas) ficam mais alinhadas, e a criança torna-se capaz de manter a cabeça levantada, podendo, então, permanecer sentada sem apoio.



















Primeiras 4
Semanas de vida: o dorso do bebê é uniformemente arredondado, havendo falta de controle da cabeça.
 

Entre 4 e 6
semanas o bebê
tem dorso
arredondado e a
cabeça é erguida
Por alguns
momentos
 







Entre 8 e 12
semanas o dorso ainda é
arredondado e a
cabeça já se levanta mais, porem o bebê ainda tende a
pender o corpo
para frente
 

Binet, por sua vez, preocupava-se com aqueles comportamentos que, numa determinada idade, pudessem ser tomados como indicadores do nível de inteligência da criança. A evolução ou o desenvolvimento dos comportamentos considerados típicos não o interessaram de modo especial, mas sim a capacidade da criança de realizá-los na idade tida como adequada.
Mas, apesar das diferenças, podemos dizer que Binet e Gesell estabeleceram padrões de comportamento com a finalidade de avaliar a inteligência.





 









Entre 16 e 20
semanas o bebê tem o dorso mais
alinhado e a
cabeça é mantida
ereta sem
vacinação 
 








Ou desenvolvimento da criança. O pressuposto de que os fatores biológicos (hereditariedade e maturação) são os mais decisivos na determinação da inteligência e do desenvolvimento leva a supor que tais padrões de comportamento são independentes de fatores externos ou do contexto social em que as crianças vivem. Desse modo, não importa o lugar e a época em que a criança viva ou as condições materiais e as possibilidades educacionais a que tenha acesso: a criança "normal" deve apresentar tais comportamentos.

No entanto, é importante lembrar que eles chegaram à definição dos padrões de comportamento de cada faixa etária a partir de pesquisas realizadas nas primeiras décadas do século, com determinados grupos de crianças (francesas e norte-americanas). Logo, os comportamentos Considerados típicos foram aqueles apresentados pela maioria das crianças que eles estudaram, e foi a partir daí que se definiu o que é normal ou não.

Esse procedimento é bastante coerente com os princípios teóricos pelos quais Binel e Gesell se orientaram, Se o ritmo e a seqüência do desenvolvimento são biologicamente determinados, espera-se que certos comportamentos apareçam sempre na mesma seqüência e na mesma idade, quer se trate de crianças européias de classe média, quer de crianças do interior do Nordeste brasileiro.


As relações entre desenvolvimento e aprendizagem e as influencias do inatismo-maturacionismo na escola

Se o ritmo e a seqüência do desenvolvimento são biologicamente determinados, qual a sua relação com os processos de aprendizagem?

Antes de responder a essa pergunta, é importante lembrar que os pesquisadores da abordagem inatista-maturacionista não tinham como objetivo o estudo da aprendizagem No entanto, ao destacar o papel de fatores internos na determinação da inteligência e do desenvolvimento, essa abordagem considera que aquilo que a criança aprende no decorrer da vida não interfere no processo de desenvolvimento.

De acordo com a perspectiva inatista-maturacionista, a aprendizagem é que depende do desenvolvimento. Ou seja, o que a criança é capaz ou não de aprender é determinado pelo nível de maturação de suas habilidades e do seu pensamento ou, ainda, pelo seu nível de inteligência.

Essa concepção tem tido bastante influência na escola, desde sua elaboração. Pode-se dizer que o inatismo-maturacionismo marca o começo da relação entre a psicologia científica e a educação. Como vimos, a construção dos primeiros testes de inteligência de Binet e Simon foi resultado de uma necessidade e4mergente nos meios educacionais franceses da época: a de identificar as crianças mentalmente deficientes e estabelecer métodos que tornassem o ensino acessível a elas. O trabalho de Gesell também foi orientado por fins ligados à educação, especialmente a de crianças consideradas desadaptadas.

No Brasil, as principais pesquisas psicológicas sobre crianças datam do início do século. Educadores, geralmente vinculados às Escolas Normais (antigo nome dos cursos de Magistério), implantaram na década de 20, em suas escolas, laboratórios de Psicologia Experimental e de Psicologia Pedagógica. Nesses laboratórios, as crianças eram submetidas a exames destinados a medir suas reações psicofísicas (discriminações visuais, auditivas, etc.), e foi através deles que se introduziram no país os primeiros testes psicológicos. O primeiro teste para avaliar a prontidão de crianças para a alfabetização foi desenvolvido por um educador, Lourenço Filho.

A idéia de que a criança é portadora dos atributos universais (biológicos) do gênero humano produz ou justifica a crença de que caberia à educação fazer aflorar esses atributos naturais, desenvolvendo as potencialidades do educando de modo harmonioso, Tal concepção teve o mérito de chamar a atenção para as especificidades da criança, para as características, habilidades e capacidades dos educandos, colocando em destaque noções como prontidão, maturidade, aptidão, Mas, ao mesmo tempo que atribuem à escola o papel de "cultivar" o indivíduo, de possibilitar o seu desenvolvimento harmonioso, as propostas pedagógicas orientadas por essa perspectiva consideram que para aprender os conteúdos escolares a criança precisaria já ter desenvolvido determinadas capacidades, Isso acaba gerando a idéia de que existe uma idade bem precisa para aprender certos conteúdos, Ou, ainda, que o proveito que a criança tira das situações de aprendizagem depende de seu nível de prontidão ou maturidade.

Essas noções, além de circularem entre os agentes do processo educacional, influenciando, muitas vezes, o cotidiano da escola, também dão sustentação à prática de utilização de testes psicológicos para avaliar as possibilidades educacionais da criança.

É fato bem conhecido que testes de prontidão (para a leitura, por exemplo) e testes de inteligência têm sido amplamente utilizados para a avaliação de crianças em idade escolar, penalizando muitas delas, Os resultados de tais testes têm, historicamente, impedido que inúmeras crianças tenham acesso ao conhecimento e à própria escolarização, ao fornecerem indicadores de sua "imaturidade" ou de seus "déficits" de inteligência. Há crianças, por exemplo, que são retidas na pré-escola ou permanecem nos exercícios preparatórios, às vezes um ano inteiro, porque "não estão prontas" para aprender a ler e escrever; outras são enviadas às classes especiais porque "não têm condições" intelectuais de seguir o curso normal da escolaridade.





3 GRANDES EDUCADORES

3.1 JEAN PIAGET


Introdução

Piaget é considerado, dentre os autores da Psicologia, como um dos mais importantes. Ele já foi até chamado de Einstein da Psicologia. Não é exagerado dizer que os dois maiores autores da Psicologia são Freud, por um lado, e Piaget, por outro.

A importância da obra de Piaget é decorrência de vários pontos. Primeiro, em decorrência da influência desta obra durante o século XX inteiro, notadamente na Psicologia da Inteligência.

Por outro lado, a importância de Piaget vem também do volume de sua obra: são por volta de setenta livros, inúmeros artigos, inúmeros temas relacionados à inteligência, que foram abordados por ele. Então, digamos, o volume da obra de Piaget, a consistência de sua obra também faz com que ela seja extremamente importante. E, finalmente, diria que a obra de Piaget é essencial porque sendo a inteligência um tema que se encontra em qualquer abordagem psicológica, e sendo a teoria dele muito consistente em relação a este tema, acaba se utilizando Piaget não apenas na perspectiva intrínseca da inteligência, mas também em outras, como a afetividade, moral e, evidentemente, educação.


Epistemologia genética

O que Piaget fez?

Basicamente a obra dele trata da questão do desenvolvimento da inteligência e da construção do conhecimento. Inclusive, ele batizou sua teoria de Epistemologia Genética.

Por que epistemologia?
Porque epistemologia é filosofia da ciência, a parte que estuda o fenômeno da ciência, do conhecimento. E genética significa uma epistemologia da construção do conhecimento_ Genética deve ser entendida não no sentido habitual, de cromossomos, mas de gênese, de evolução.

Então, a obra dele chama-se Epistemologia Genética e visa responder a uma pergunta básica: como é que os homens constroem conhecimento? Isto é, com.o é que passam de um nível de conhecimento x, para um nível de conhecimento x +1? Essa é a grande pergunta que Piaget tentou resolver durante toda sua vida.

Como a criança é o ser que mais evidentemente constrói conhecimento, ele fez, essencialmente, pesquisa com crianças. Mas sua pergunta não é uma pergunta não é da psicologia da criança. Sua pergunta é epistemológica, ou seja: como é que os homens, sozinhos ou em conjunto, constroem conhecimentos? Por que processos? Por que etapas conseguem fazer isto? Por isto que a obra dele é essencialmente baseada na inteligência e na construção de conhecimento.


Conhecimento

Para Piaget, inteligência deve ser definida como função, enquanto estrutura. Enquanto função, a inteligência, para Piaget, é uma adaptação. Os processos da inteligência têm a finalidade do sujeito sobreviver, adaptar-se ao meio, modificar o meio para adaptar-se melhor a ele. Isso é a função da inteligência.

Do ponto de vista estrutural, a inteligência é uma organização. Ou seja, a inteligência é uma organização de processos que permitem, se a organização for complexa, um nível de conhecimento mais complexo, superior, e se for, evidentemente, um nível de organização menos complexa, um nível de conhecimento inferior.

A inteligência é uma organização. E o crescimento da inteligência não se dá tanto pelo acúmulo de informações, mas, sobretudo, por uma reorganização desta inteligência. Ou seja, crescer é reorganizar a própria inteligência para ter mais possibilidades de assimilação.

Conceitos, assimilação

A obra Piagetiana cunhou um número grande de conceitos. É bom explicitar alguns, que são centrais.

Começaria pelo conceito de assimilação. Piaget retira o conceito de assimilação da Biologia e, em sua Psicologia, assimilação significa que quando uma pessoa vai entrar em contato com o meio, com o objeto de conhecimento, ela retira desse objeto algumas informações e essas informações, retidas, e são essas e não outras, porque existe uma organização mental. Então, na verdade, assimilação significa interpretação. Ou seja, ver o mundo não é simplesmente olhar o mundo, mas interpretá-lo, assimilá-lo, tornar seus alguns elementos do mundo. Portanto, isso implica em, necessariamente, assimilar algumas informações e deixar outras de lado.

Acomodação

Outro conceito central na obra de Piaget é o de acomodação. Acomodação significa que as estruturas mentais - entenda-se por estrutura mental a organização que a pessoa tem para conhecer o mundo - é capazes de se modificar para dar conta das singularidades do objeto. Portanto, se juntarmos agora a assimilação à acomodação, vamos ter que conhecer o objeto é assimilá-lo, mas como esse objeto oferece certas resistências ao conhecimento, à organização mental se modifica e a essa modificação dá-se o nome de acomodação. Por isto que o processo de inteligência é sempre um processo de assimilação e acomodação.


Equilibração

Equilibração vem como seu nome indica de equilíbrio, ou seja: o sujeito que entra em contato com um objeto novo, pode ficar em conflito com esse objeto, desequilibrado. Na verdade, equilibração serve aqui de metáfora. Quer dizer, o objeto não se deixa conhecer facilmente, tem algumas coisas de singulares, então o sujeito fica em conflito, desequilibrado. Para conhecer este objeto, ele tem que se acomodar modificar-se para dar conta desse objeto. E esse processo, digamos, é a busca do equilíbrio. Então, o equilíbrio é a estabilidade da organização mental, que dá conta do conhecimento. Daí, inclusive, o fato de o conceito de equilibração ser central, se dá pelo fato do crescimento da inteligência se dá por desequilíbrio, equilibração, desequilíbrio, equilibração.

É um processo dinâmico. Por isso Piaget gosta da palavra equilibração e não equilíbrio.
Equilíbrio daria a impressão de algo estável e equilibração sugere algo móvel e dinâmico.
Abastrações empíricas e reflexivas

Mais dois conceitos, acho, embora não tão conhecidos de Piaget, essenciais. São os conceitos de abstração empírica e abstração reflexiva. Isso é essencial em Piaget.

A abstração empírica são as informações que eu retiro do meu objeto do conhecimento.

Então, por exemplo, olho um quadro e abstraio desse quadro, ou desse pêndulo, dessa câmera, abstraio algumas informações. É uma abstração empírica, porque estou tirando abstrações do objeto do conhecimento. Porém, nesse processo de retirar abstrações do objeto do conhecimento, também posso pensar sobre minha maneira de me relacionar com esse objeto de conhecimento. Ou seja, com as ações que faço sobre esse objeto de conhecimento.

As abstrações reflexivas são as informações que retiro, não do objeto, mas de minha ação sobre o objeto. Por exemplo, se pego um livro e o sopeso, ou o comparo com outro mais pesado ou menos pesado, tenho uma abstração empírica que é o peso dos livros. Mas tenho uma abstração reflexiva que é estar comparando. Pensar sobre o meu agir.

Para Piaget, a construção do conhecimento se dá por abstração empírica e também por abstração reflexiva. O desenvolvimento da inteligência se dá a partir do processo de a criança pensar sobre o mundo e pensar sobre sua ação sobre o mundo. Ao que se chama de abstração reflexiva.


Estágio

Mais um conceito extremamente importante em Piaget, que, aliás, é o conceito mais famoso é o estágio.

O conceito de estágio remete, em Piaget, a seguinte idéia. O desenvolvimento da inteligência não é um desenvolvimento linear, ou seja, por acúmulo de informação, mas é um desenvolvimento que se dá por saltos, por rupturas. Os estágios representam, exatamente, uma lógica da inteligência que será superada radicalmente por um estágio superior, apresentando uma outra lógica do conhecimento. Então, os estágios significam que, por um lado, a inteligência dá saltos.

Ou seja, a inteligência muda de qualidade, cada estágio representa uma qualidade dessa inteligência. Os estágios significam também que os estágios dessa inteligência necessariamente passa por estes estágios e nenhum deles pode ser pulado.

Os estágios podem ser divididos, a rigor, de várias maneiras. Depende da fineza, da complexidade que quisermos dar àquela questão, mas os grandes estágios que Piaget definiu foram três: o primeiro chamado de sensório-motor (O a 24 meses); após este, um outro estágio que se chama pré-operatório (2 a 7 anos); após este segundo estágio, vem o terceiro, e último, chamado de estágio operatório (7 anos em diante).

Dentro do estágio operatório, Piaget fez uma divisão entre operatório concreto (7 a 12 anos) e operatório formal (12 anos em diante), que é o mais evoluído.




Estágio sensório-motor

Antigamente se pensava que o bebê, a criança de zero a dois anos, não apresentava nada de muito interessante do ponto de vista da inteligência e que a inteligência começava apenas com a linguagem. Essa é uma idéia que era muito forte e que ainda é forte em algumas pessoas.

O que Piaget demonstrou, numa clareza muito bonita, é que esta fase de zero a dois anos é extremamente rica e que a inteligência começa a se estrutura e a mostrar seu valor muito antes da linguagem. Portanto, nestes dois anos de vida, uma série de conquistas, praticamente cotidianas, são feitas, uma série de pequenos passos são dados, pequenos passos e conquistas estas que justamente preparam a possibilidade da criança falar. O que Piaget afirma é que quando a criança começava a falar, por volta dos dois anos de idade, ela só tem sobre o que falar, sobre o mundo, porque ela construiu este mundo antes. Se ela começasse a falar, sem antes ter construído este universo, ela não poderia falar, porque não teria sobre o quê falar, não teria essa organização.

A inteligência é anterior à fala.
Portanto é uma rase extremamente importante, extremamente complexa, e quem se der ao trabalho de observar um bebê vai ver, a olhos vistos, esse desenvolvimento fenomenal e também a afirmação evidentemente importante, que é decorrência de tudo o que acabamos de falar, de que existe uma inteligência pré-verbal. Uma inteligência sem representação, uma inteligência sem linguagem, sem comunicação verbal com o outro, portanto, uma fase sui generis da inteligência.

Esse é um dos pontos essenciais da teoria de Piaget, essa é a contribuição para a compreensão do ser humano.

O período sensório-motor é o primeiro estágio, período, que vai de zero a dois anos de idade, e também às vezes é chamado de inteligência prática.

Inteligência prática por quê?
Porque é uma fase no desenvolvimento da inteligência em que a criança não emprega a linguagem, mas apenas suas ações e percepções. Ações vêm daí a palavra motor; e percepções, daí a palavra sensória: sensório-motor. Então, é uma inteligência prática, uma inteligência em ação, ou seja, ainda não-verbal, ainda não representativa.

Para Piaget, esses dois primeiros anos de vida são absolutamente essenciais porque a criança percorre uma velocidade de evolução absolutamente inimaginável. Para dar conta desta idéia, alguns conceitos são essenciais, notadamente o conceito de objeto.


Objeto

Tudo leva a crer, segundo os conceitos de Piaget, que quando a criança nasce ela não tem clareza de que no universo no qual ela se encontra há objetos e que ela, inclusive, é um objeto entre esses objetos. Por isso, ela precisa construir a noção de objeto.

Nesta construção existe uma fase essencial que se chama objeto permanente.

O que é objeto permanente?
Objeto permanente é aquele que, embora eu não veja, sei que de ainda existe. Ou seja, há atribuição de existência do objeto, apesar de estar fora do meu campo perceptivo. Isso a criança constrói por volta dos nove meses de idade.

Imaginem o salto de qualidade da inteligência. Num primeiro momento, é como se a criança acreditasse que só existem as coisas que ela vê, que ela é o cent1Ddo universo, de certa forma, e que o mundo existe em função de sua percepção e ela vai, pouco-a-pouco, entendendo que o universo tem uma objetividade própria, e que independe da sua percepção. Daí a compreensão de que, embora esse objeto não seja visto, ainda existe e, portanto, posso procurá-lo.

Outro conceito essencial para se entender esta fase sensório-motor é o conceito de causalidade.


Causalidade

Entender que os objetos do mundo - e a criança como um objeto desse mundo -, que esses objetos interagem entre si e causam efeitos entre si. A tendência da criança até um ano, um ano e pouco, é a tendência que se chama de mágica. Ou seja, a tendência a pensar que o objeto se move dependendo de suas próprias ações - da criança - ou dos seus desejos. Fato que também Freud tinha reparado e chamado de onipotência infantil. Então, a criança imagina, num primeiro momento, que ela tem as rédeas do mundo e, pouco-a-pouco, ela vai entendendo que não, que existem leis de causalidade. O universo tem leis, o universo tem algumas regras que são seguidas e estas se aplicam à própria criança.

Então, a construção da idéia de causalidade, a construção de um objeto, também do tempo e do espaço, que se dá nestes dois anos de vida, faz com que a criança consiga, num primeiro momento, ter uma objetividade do universo. Essa objetividade depois será reconstruída no nível da linguagem. Mas o período sensório-motor é essencialmente construção do universo, construção do real, lidando com este real apenas através das percepções e das ações.


Meios e fins

Uma das conquistas importantes, por volta dos nove meses, aliás, na mesma época da construção do objeto permanente, é a diferenciação entre meios e
fins.

Imagine a seguinte situação: você mostra uma bola para a criança, ela quer pegar esta bola, mas você a coloca atrás de um anteparo, portanto ela não pode pegar a bola diretamente. Vejam que interessante. Essa criança que tem de cinco a seis meses sabe bem pegar uma almofada, digamos que seja este o anteparo, e pegar a bola. Mas não lhe ocorre à seqüência que qualquer um de nós faria e que ela fará quando tiver nove ou dez 'meses:
tirar a almofada da frente para pegar a bola que está atrás.

Isto é que se chama diferenciação entre meios e fins, Ou seja, retirar a almofada é o meio, cujo fim é pegar a bola.

O que falta, então, à criança de cinco ou seis meses? Não é saber pegar a almofada, isso ela já sabe; não é saber pegar a bola, isso ela também já sabe; mas é saber hierarquizar estas duas condutas, associá-las. Por isso é que falamos que inteligência é organização. A conquista da criança, quando ela vai descobrir a possibilidade de meios e fins, vai ser uma nova organização da inteligência. Como se ela dissesse: posso pegar isto, para depois pegar aquilo. Não é a habilidade que faltava, mas a compreensão para servir de meio para outra que é fim.

Portanto, essa passagem que se dá entre os nove, dez meses, é muito importante para o desenvolvimento da inteligência.

Num exemplo agora ligado a espaço, a configuração espacial, é, por exemplo, a criança perceber que um determinado objeto tem três dimensões. Exemplo: quando a criança é bem pequena, por volta de dois, três meses, ela sabe reconhecer uma mamadeira, ela já está acostumada a ela, Mas se você apresentar a mamadeira pelo avesso, o fundo da mamadeira, não lhe ocorre virá-Ia, é como se ela não a reconhecesse. E por volta de um ano de idade, embora ela veja a mamadeira apresentada a ela pelo avesso, ela a reconhece e com um gesto a desvira. Ou seja, com um gesto ela conseguiu situar o objeto dentro do espaço, ver que, dependendo da posição, o que está na frente pode estar atrás e vice-versa.

Um outro exemplo também muito importante do ponto de vista da causalidade, à qual já me referi um pouco, é justamente a idéia da mágica. Às vezes a criança pequena, no seu berço, com três, quatro meses, ela mexe alguma coisa e, por acaso, acende a luz, totalmente por acaso, acende a luz, totalmente por aças. Ela tende a achar que foi sua ação que fez com que a luz se acendesse e então ela irá repetir esta ação até cansar. A criança pequena tende a achar que são suas ações que promovem que causam as transformações do universo. Aos poucos ela irá entender que não, que esse universo é regido por leis objetivas e ela vai situar-se, objetivamente, naquilo que ela realmente causa e aquilo que ela não causa e, até, é causada.


Estágio pré-operatório

Com dois anos de idade há mudança de estágio. Como dito anteriormente, a mudança de estágio significa que a qualidade da inteligência se modifica. Piaget cunhou o estágio de pré-operatório, mas também poderíamos chamar este estágio de estágio da representação. Então, o conceito essencial deste estágio é o de representação.

O que é representação?
Representação é a capacidade de pensar um objeto, através de outro objeto. Por exemplo. Se eu falo a palavra casa, estou utilizando este som - casa -, para remeter a algo que não é este som, evidentemente, mas que é o objeto casa. Isto é o que se chama representação. Ou seja, apresento de novo um determinado objeto através de um seu substituto.

Outro exemplo deste comportamento que aparece por volta de um ano e meio, dois anos meio de idade. Um exemplo que Piaget não pesquisou, mas que é totalmente coerente para entendê-lo: o reconhecimento no espelho, Uma criança por volta de um ano gosta de se olhar no espelho, fica na frente dele, mas seus comportamentos nos levam a crer que ela não se reconhece no espelho. Ela olha, ela vê uma imagem, que é a sua, como se fosse uma imagem de uma outra criança, uma imagem que não diga respeito a ela mesma. Tanto é verdade que se você fizer uma mancha de tinta na testa da criança, não lhe ocorre passar a mão para retirar esta mancha.

Por volta de um ano e meio, dois anos, justamente na passagem do sensório-motor, para o próximo estágio, pré-operatório, a criança se reconhece no espelho. E, veja bem, se reconhecer no espelho é um comportamento relativamente complexo, porque, pensem: reconhecer-se no espelho implica em pensar que esta imagem que vejo sou eu e não sou eu, ao mesmo tempo.

Sou eu, porque me representa, mas não sou eu, porque estou aqui e não ali. Então, na verdade, estou duplificado, se assim podemos dizer. Estou aqui e estou em imagem.

Isso é que é representação. Conseguir pensar o mundo através de imagens deste mundo.

A criança, por volta de dois anos, entra neste mundo da representação, cujos comportamentos são os desenhos, o brincar de fazer de conta, o reconhecimento no espelho, a imitação.

A imitação que se chama imitação de Ferilo, você vê algo e o imita 24 horas depois, o que mostra bem que aquilo ficou em imagem. A prova mais elaborada disso é a capacidade de empregar a linguagem.

Realmente muda a qualidade de inteligência. E isso é essencial em Piaget, porque a inteligência que antes era limitada às ações agora vai, ainda em ação, mas agora uma inteligência de representação. A isso Piaget deu o nome de pré-operatório, porque significa que a criança trabalha com representações, mas terá todo um trabalho de assimilação, acomodação, equilibração e organizar essas representações num todo coerente. E as operações significam a capacidade de organizar esse mundo das representações de uma maneira coerente e estável. Isso só ocorrerá no período operatório, que começa por volta de seis, sete anos de idade.

Na verdade Piaget - e isso é interessante - dá o nome de pré-operatório a essa fase, insistindo, sobretudo, em sua obra, sobre as lacunas e as dificuldades dessa fase, que serão superadas na fase operatória do que em suas características positivas. Isso é, digamos, o sotaque da teoria de Piaget. Mas em termos de pontos essenciais, faríamos a eleição dos seguintes temas:

1. Introdução à linguagem - a criança entra no mundo da linguagem e concebe uma competência discursiva bastante grande durante toda essa fase. A linguagem é um dos pontos mais importantes, porque permite uma socialização da inteligência, como diz Piaget. Piaget atribui à socialização muito pouca eficiência no período sensório-motor, mas agora na introdução à linguagem há uma socialização das inteligências, porque a linguagem permite a comunicação;

2.   Introdução à moralidade - a entrada da criança no mundo da moralidade. É nesta fase que a criança entra no mundo dos valores, das regras, das virtudes, do certo, do errado. E isso é um ponto evidentemente importante, porque não se pode falar em moral de uma criança de zero a dois anos, até três, mas, por volta dos quatro anos a criança penetra no mundo da moralidade e isso é uma decorrência extremamente rica e séria desta fase;

3. Egocentrismo - Piaget até se arrependeu de ter utilizado este termo. O conceito de egocentrismo não significa que a criança está como se fosse altista, totalmente centrada nela, mas significa que a criança tem dificuldade de perceber o ponto de vista do outro. Ela vê o ponto de vista do outro centrado em seu ponto de vista, daí a palavra ego+ centrismo. Exemplo: você pede a uma criança de cinco anos, a quem você acabou de contar uma história nova, que ela conte esta história para uma outra criança. Você verificará que a criança conta como se a outra criança já soubesse a história.

Um exemplo caseiro. É freqüente você ver uma criança de três, quatro anos, chegar para o pai ou para a mãe e dizer: cadê o meu carrinho? Ela tem quinhentos carrinhos, vários, pelo menos dois, mas ela diz: cadê o meu carrinho? Para ela está claro de que carrinho ela está falando.

Mas como ela sabe de que carrinho que ela está falando, ela imagina que o outro também saiba.

Enquanto uma criança um pouco mais velha não dirá cadê o meu carrinho, mas cadê o meu carrinho amarelo, ou, estou procurando um carrinho, aquele que você me deu aquele dia...

São exemplos de egocentrismo. São dificuldades de sair do próprio ponto de vista e colocar-se num outro ponto de vista, no ponto de vista de uma outra pessoas. Isto será um ganho do período operatório concreto.


Estágio Operatório

O que é interessante na teoria de Piaget é que ele vai chamar uma fase de pré-operatória e a seguinte de operatória, portanto, a questão da operação é central. E, como dito, Piaget vai ver na fase pré-operatória essencialmente o que falta para a criança ser operatória. Por isto temos que definir o conceito de operação.

O conceito de operação tecnicamente é uma ação interiorizada reversível. Ação significa manipular o mundo, trabalhar e agir sobre o mundo. A ação existe desde o nascimento. Mas é ação interiorizada. Portanto é ação através da representação. O que significa? Agora vou mexer no mundo, mas através da representação deste mundo. Uma coisa é pegar a câmera e colocar em outro lugar, isto é ação. Ação interiorizada será imaginar colocar esta câmera em outro lugar, mas não colocar. É estar imaginando isto através das imagens que tenho da câmera.

No sensório motor a criança tem ação, no pré-operatório à criança tem ação interiorizada e no operatório ela tem ação interiorizada reversível. Reversível significa a possibilidade, em imaginação, na cabeça, de forma interiorizada, pensar a ação e sua anulação. Reversível significa: posso pensar o que fiz e voltar exatamente ao ponto de partida, sem cometer contradições.

Uma criança no pré-operatório não consegue isso. Exemplo. Você pergunta para uma criança de cinco anos de idade: daqui até Campinas tem quantos quilômetros? Imaginando que ela saiba a resposta, ela diz, cem quilômetros. Ela não está indo até Campinas, ela está parada pensando: de São Paulo a Campinas há cem quilômetros. Aí você pergunta a ela sobre a reversibilidade.

Agora vamos pensar de Campinas até São Paulo. Evidentemente, em boa lógica, se de São Paulo até Campinas são cem quilômetros, de Campinas até São Paulo também haverá cem quilômetros. Nada mais do que fazer a volta. Só que a criança pequena dirá: não sei.

Outro exemplo clássico da teoria de Piaget é a questão da parte do todo. Uma criança pequena poderá entender que ela mora num bairro, digamos, Butantã; ela sabe que mora em São Paulo, mas terá muita dificuldade em entender que Butantã é dentro de São Paulo. Quando ela está pensando em Butantã é Butantã, quando está pensando em São Paulo é São Paulo.

Nesta mesma linha. Se você pergunta para uma criança: tem mais rosas ou tem mais margaridas? Digamos que tenham essas flores na frente dela e que tenha mais rosas. Ela irá dizer, porque a percepção basta para isso, ela verá que têm mais rosas que margaridas. Mas aí você faz a seguinte pergunta para ela: o que tem mais, flores, margaridas e rosas, ou rosas? Você está pedindo a ela para comparar o todo, que é juntar margaridas e rosas, com a parte, que é separar margaridas e rosas e ficar apenas com as rosas. A criança não sabe responder, ou então responde frequentemente, tem mais rosas.

Quer dizer, o pré-operatório é, sintetizando, ação interiorizada, mas ainda não reversiva. Entenda-se não reversível como sem a organização lógica dessas representações.

O período operatório será a conquista dessa organização lógica do pensamento que permite chegar à verdade sem contradições.

Um aspecto importante da passagem do pré-operatório para o operatório é o sentimento de necessidade.

Vamos dar um exemplo. Uma criança pode até aprender, decorar, que se daqui a Campinas dá cem quilômetros, que de Campinas até aqui também dá cem quilômetros. Só que no pré-operatório esse conhecimento é para ela apenas provável. Se alguém disser para ela que não acha que seja cem quilômetros... Talvez não seja... Ela tem a resposta correta, pensa a resposta corretamente, mas para ela isto não é uma certeza. Mas, em compensação, esta mesma criança, quando estiver na fase operatória, a partir de sete, oito anos de idade, aquilo será necessário para ela.

Uma das dicas do pensamento operatório para o pré-operatório é que no pré-operatório as coisas são prováveis e no operatório elas serão necessárias. Necessárias, evidentemente, se deduzidas a partir de um raciocínio.

Você pode até "enrolar" uma criança sobre coisas lógicas quando ela tem cinco ou seis anos, mas não mais quando ela tem sete ou oito. Se você disser que daqui até Campinas tem cem quilômetros e que de lá para cá tem menos, ela dirá: tem truque nisso.


Estágio operatório concreto e formal

Piaget diz que a criança, com seus seis, sete anos de idade, a criança entra no estágio operatório.

Já consegue organizar seu pensamento através da lógica. Mas Piaget diz também que este estágio operatório é dividido em dois: operatório concreto, operatório formal. Portanto tudo não está acabado ainda por volta dos sete, oito anos de idade.
A diferença entre operatório concreto e operatório formal. Os dois são operatórios, os dois têm ação interiorizada reversiva. Só que no operatório concreto a criança faz uso dessa capacidade operatória, apenas em cima de objetos que ela possa manipular e de situações que ela possa vivenciar ou lembrar a vivência. Enquanto no período operatório formal ela trabalhará com puras hipóteses. Ou seja, ela agora será capaz de aplicar sua lógica com objetos, textos, que sejam puramente hipotéticos, por exemplo, um foguete na Lua, ou em Marte, e também totalmente estranhos à sua vivência. Na verdade, a diferença é um grau de abstração.

Um exemplo. A criança, do ponto de vista operatório concreto, chegará facilmente à conclusão de que todos os planetas são redondos, a Terra é um planeta, logo a Terra é redonda. E ela sabe, inclusive, que a Terra é redonda. Mas se você coloca para ela o seguinte: todos os planetas são quadrados, a Terra é um planeta, logo... Em pura hipótese, a Terra é quadrada, mas como ela sabe que a Terra não é quadrada, ela tem muita dificuldade em aceitar, porque ela ainda está muito relacionada ao seu concreto, à sua vivência.
O operatório formal é, na verdade, conseguir pensar de maneira lógica, reversível, operatória, em cima de puras proposições, puras frases, puras hipóteses. A diferença é esta.

Aqui no colégio tem uma tradução clara. Os problemas de Matemática que são colocados às crianças de primeira à quarta série costumam ser complexos, mas sempre concretos. É a criança que compra a banana, num preço x, num preço y. Ou seja, é a Matemática aplicada em cima de objetos. Mas é preciso esperar a quinta séria, por volta ·de onze, doze anos, para que no colégio se introduza a Álgebra, a idéia de variável. O que é variável? Variável·é pura forma, o x, o y, é pura forma, isto é típico do operatório formal.

O operatório formal é o último estágio daqueles identificados por Piaget, no desenvolvimento da inteligência. Portanto, uma criança por volta de doze, treze anos constrói este pensamento operatório formal que é o dos adultos. Claro, mais elaborado, com mais conteúdo. Quer dizer, a criança de doze, treze anos é capaz de pensar, sem cometer contradições, através de hipóteses, por hipóteses, e nós também.


Desenvolvimento moral da criança

Embora Piaget tenha escrito um só livro a respeito da moral, chamado "O juízo moral na criança", ele fez uma obra fundamental. As pesquisas e teorias deste livro são até hoje atuais e deram base para uma série de pesquisas, notadamente nos Estados Unidos. E um livro fonte de uma série de pesquisas e teorias. Neste livro Piaget diz uma coisa nova para a época: assim como a inteligência, assim como conhecimento evolui, a moral também evolui. Ou seja, existe um desenvolvimento moral na criança.

Por que isso é importante?
Antes se pensava que a moral era uma mera interiorização dos valores e das regras que estavam colocadas fora, quando os pais e professores diziam faça isso, faça aquilo, os valores são esses, e a criança, pouco-a-pouco, os interiorizava. O que Piaget demonstrou com pesquisas e mais pesquisas, é que há um desenvolvimento moral na criança, há estágios. O primeiro estágio é a anomia - a criança está fora do universo moral. O segundo estágio é justamente a entrada da criança no mundo moral, e é chamado de heteronomia - significa, basicamente, que a moral é baseada no respeito pela autoridade e pela obediência. E essa fase da heterônoma depois é superada por uma fase chamada autonomia, onde a legitimação da moral não se dá mais pelo respeito pela autoridade ou pela obediência, mas sim pelo contrato, pelo respeito mútuo, pelas relações de reciprocidade.

Então, a importância desse livro foi mostrar que também a moral evolui e que existe uma participação ativa da criança na construção de sua própria moral.

Vamos dar um exemplo. Você pergunta para uma criança de cinco a sei anos: quem é mais culpado, alguém que quebrou dez copos sem querer, ou alguém que quebrou um copo querendo.

O que está em jogo aqui? O tamanho do dano material - dez copos versus um copo -, e a intencionalidade - quem quebrou dez não tinha intenção, fez sem querer, mas quem quebrou um, tinha a intenção de quebrar. Pergunta-se à criança: os dois são culpados? A criança heterônima dirá sim, já que houve um dano material cometido. E, depois, pergunta-se: qual o mais culpado? E a criança heterônima opta pelo autor da quebra dos dez copos, porque dez copos é mais que um copo. Ou seja, ela se baseia no tamanho do estrago e não na intencionalidade. Você tem esse exemplo também com a mentira. Quanto maior a mentira é pior, não é a intenção da mentira, mas a distância entre a verdade e o que foi dito.
Como sempre em Piaget, há autonomia, portanto o estágio posterior será uma superação do estágio anterior, em todos os exemplos que dei, a criança autônoma dirá: os dois não são culpados, apenas é culpado aquele que teve a intenção de quebrar e quebrou um copo. Ou seja, o fato de haver dez copos quebrados absolutamente não conta mais, como na mentira o que vai contar não é o tamanho da mentira, mas a intenção enganar.


Piaget e a educação

Às vezes acontece uma confusão, pensar que Piaget foi um educador, ou que Piaget tenha uma obra pedagógica. E essa é uma confusão muito grave, porque pode fazer as pessoas pensarem que vão encontrar em Piaget propostas ou preocupações pedagógicas.

Piaget se preocupou com Pedagogia como qualquer pensador, mas sua obra não é de Pedagogia, é sobre a pergunta: como os homens constroem o conhecimento? E, especificamente, como a criança constrói o conhecimento? Ele escreveu um texto ou outro sobre Pedagogia, dizendo claramente para os professores que seu texto pedagógico seria apresentar sua teoria sobre o desenvolvimento infantil e os educadores que façam a tradução pedagógica desta minha teoria.

Por que Piaget é tão lido, tão estudado, na educação? Diria que há duas razões para isto. A primeira é clássica. Assim como na Medicina é uma técnica ler Biologia, para saber o que fazer e encontrar novas técnicas, a Pedagogia lê as teorias que tratam de seu aluno. Portanto, todas as teorias que falam das crianças, notadamente as que tratam do desenvolvimento do conhecimento, da inteligência, interessam à Pedagogia. Então, como Piaget tem uma obra muito consistente, muito vasta sobre o desenvolvimento da inteligência na criança, é natural que a Pedagogia se interesse por esses dados e os traduza.

A segunda razão pela qual Piaget é bastante lido na Pedagogia é de outro nível. Na verdade, Piaget acaba sendo o autor em Psicologia que dá base teórica para movimentos pedagógicos que foram, inclusive, anteriores a Piaget. Por exemplo, a Renovação Pedagógica, e nisso se pode colocar a Escola Nova, Montessori, os educadores encontram em Piaget uma teoria que, no fundo, lhes dá razão. Então, a Teoria Piagetiana é uma teoria que se adapta a certa corrente pedagógica, notadamente aquela que se opôs ao formalismo e ao verbalismo no ensino tradicional.

Então são por essas duas razões, o fato de estudar a criança e ter idéias sobre elas que são coerentes com certa Pedagogia renovada.


Construtivismo


Piaget utiliza a palavra construção. Tem até um livro seu que se chama Construção do Real. E ele diz que sua Psicologia e Epistemologia são construtivistas. Piaget cunha e se considera um construtivista, mas, evidentemente, construtivista com todos os conceitos piagetianos. Só que a palavra construção é também uma metáfora. Em Piaget ela tem uma definição muito clara, mas ela pode ser utilizada como metáfora. Tanto é verdade que, hoje, há muitas perspectivas construtivistas, que não são muito claramente construtivistas, por um lado e, por outro lado, não necessariamente piagetianas. A palavra construtivismo acabou ficando muito mais ampla que especificamente na teoria piagetiana.

Então, hoje, você tem dentro da educação teorias construtivistas, que utilizam Piaget, pode utilizar Wallon, pode utilizar Vygotsky, ou subáreas tipo Emilia Ferreiro etc. Embora a palavra construtivismo tenha sido cunhada por Piaget, não é, necessariamente, essa mesma definição de construtivismo que se vai encontrar nas escolas hoje.


Mitos

Como toda teoria complexa, algumas incompreensões acontecem. Só que, infelizmente, algumas incompreensões acabam se tornando dominantes. E poderíamos chamar essas incompreensões dominantes de mitos. Eu veria basicamente dois mitos em relação à teoria de Piaget. Mitos, no sentido de que são interpretações erradas da teoria de Piaget.

O primeiro mito seria o do maturacionismo. Como Piaget diz como sua definição de construtivismo é que existe construção endógena, algumas pessoas dizem, simplesmente, que Piaget é um maturacionista que acredita que, na verdade, as coisas se dão de natureza interna, sem nenhuma relação com o contexto, sem nenhuma relação com atividade. Isto é um erro grave. Piaget diz, textualmente, que as construções internas endógenas se dão, em primeiro lugar, desencadeadas por demandas do meio, portanto não se dão de maneira puramente isolada, e sobre as demandas do meio, com os objetos do meio. Então, a teoria de Piaget não é, absolutamente, uma teoria maturacionista, mas sim uma teoria interacionista, construtivista. Primeiro mito.

O segundo mito em relação a teoria de Piaget, que na verdade é uma decorrência do primeiro, sobre o maturacionismo. Piaget negaria a importância do social no desenvolvimento da inteligência da criança. É um mito, porque é falso. Devemos dizer que é verdade que Piaget não fez estudos, não aprofundou esta. Questão. Então, encontram-se poucas referências em Piaget em relação ao social no desenvolvimento. Mas, veja bem, não aprofundar e não fazer pesquisas sobre um tema não é negar sua importância. Piaget tinha 24 horas por dia, ele tinha que fazer determinadas opções. Na teoria de Piaget a interação social tem um lugar bem claro, embora não aprofundado e não pesquisado. E esse lugar diz claramente: se não houver interação social, se não houver demanda do meio social, se não houver comunicação, não há desenvolvimento cognitivo. Então, é um mito pensar que Piaget negava â importância do social, como é um mito pensar que Piaget pensasse que a maturação, por si só, explicava o desenvolvimento.


O método de pesquisa

Quanto ao método de Piaget, é basicamente um só. Ele cria situações-problemas, situações que devem ser resolvidas. Ele coloca essas situações-problema a crianças de várias faixas etárias, em geral de seis a doze, treze anos de idade, e verifica, por um lado, se as crianças conseguem resolver o problema, e, por outro, mais importante ainda, quais são as dificuldades que elas encontram para resolver este problema. Diria que 90% da teoria de Piaget foram feito em cima deste tipo de experimento.


Ele também fez alguns estudos com seus próprios filhos, mas apenas com seus próprios filhos, de zero a dois anos de idade, aí com observação. Portanto seria um erro pensar que Piaget baseou toda a sua teoria na observação de seus próprios filhos, isso não é verdade. Na verdade ele fez essas observações, mas todo o resto da sua obra, diria que 90%, com soluções, a procura de como as crianças resolvem os problema que ele lhes coloca, em geral de seis a doze anos de idade.

A obra de Piaget é Hegemônica?

Hoje, vinte anos após a sua morte, isso não é mais verdade. Ela continua sendo extremamente importante, mas hegemônica não. Primeiro houve o descobrimento de Vygotsky, que não era um autor conhecido na época em que Piaget trabalhava, certo reviver da teoria de WaIlon, também existe as ciências cognitivas. Diria que, hoje, a Psicologia do Desenvolvimento vive uma fase de difusão das idéias, de não-concentração. Diria que a Psicologia do Desenvolvimento vive um momento de turbulência, nenhuma visão pode ser considerada hegemônica, tampouco a de Piaget, mas também não se sabe muito bem ao quê esta área vai. Ela foi dominante sim, hoje em dia não.

Há contestadores dessa teoria, claro. Há dois tipos de contestadores: aqueles que dizem que Piaget errou, aqueles que dizem que não é verdade, mas também há um tipo de contestadores que diz que o que Piaget disse está muito bom, mas a rigor tem muito mais coisas para dizer, até mais importantes que, a rigor, não se precisa nem ler o que Piaget escreveu. Ou seja, uns podem contestar Piaget porque ele errou, outros porque ele disse coisas certas, mas não essenciais, o essencial estaria em outro lugar.

Hegemonia hoje, não mais. O que é bom. Hegemonia nunca é saudável.


Indicação de leitura

É uma teoria extremamente rica, extremamente importante, que inclusive nos permite entender melhor filhos e alunos em geral. Portanto, acho que o professor tem muito a ganhar estudando Piaget. É uma obra enorme: setenta livros. Que livros ler? É uma opção pessoal. Mas diria que, para ler Piaget é preciso ir com paciência, não é um texto que vá se entregar muito facilmente.

Sugeriria que o primeiro livro que se lesse sobre Piaget fosse O nascimento da inteligência na criança, que fala do período sensório-motor, mas mesmo para alguém que não se interessa, porque seu trabalho não é com crianças dessa faixa etária, é um livro onde Piaget explicita muito claramente o seu construtivismo. Este seria o melhor livro para se começar a ler Piaget. Após esse, diria dois outros, que formam a trilogia do sensório-motor: A construção do real na criança, para entender a construção do conhecimento nesta faixa etária e as idéias básicas de Piaget estão lá, e A formação do símbolo da criança, que é justamente o estudo da passagem para a representação.

São três clássicos da Psicologia e acho absolutamente necessários para se entender Piaget.

Além disso, indicaria a leitura de um livro árido, mas que também coloca muito claramente a teoria piagetiana que o da lógica da criança à lógica do adolescente, texto de pesquisa, onde justamente ele verá como as crianças de cinco a doze anos resolvem, à sua maneira, ou deixam de resolver, os mesmos problemas. Notadamente é um livro que explicita muito bem o que é o operatório formal.

Não poderia deixar de indicar também O juízo moral na criança, um livro extremamente rico, como disse, único na obra de Piaget, porque a moral não é seu tema, mas extremamente produtivo em termos do pensamento nesta área durante o século XX.

Se me pedirem livros, digamos mais de resumo, aconselharia A Psicologia da criança. E um livro muito simpático, muito simples, que em geral é de iniciação a Piaget, que é Seis estudos de Psicologia. Existem muitos outros, mas esta lista é bem razoável.

Acho que a teoria de Piaget, notadamente para quem lida com criança, pode ser pai, mãe, professor, ajuda muito a entender os comportamentos da criança. Às vezes você vê coisas que poderia até desprezar, mas, tendo lido Piaget, será muito interessante. Instrumentaliza para você entender a criança, não apenas do ponto de vista de sua inteligência, mas também das decorrências do desenvolvimento de sua inteligência, sua moral, personalidade. Acho que é uma teoria que, de fato, instrumentaliza para que você entender e lidar com uma criança.


Bibliografia

Nasci em 1896, na Bielo-Rússia, país que fez parte da extinta União Soviética, e morri em 1934, de tuberculose, aos 37 anos. Era membro de uma família com uma situação econômica bastante confortável e uma das mais cultas da cidade. Formei-me em Direito, trabalhei como professor e pesquisador, nas áreas de Pedagogia, Psicologia, Filosofia, Literatura, Deficiência Física e Mental. Com Leontieve e Luria, formei um grupo de jovens intelectuais da Rússia Pós-Revolução que buscavam uma nova Psicologia. Embora minha produção não tenha sido um sistema explicativo completo, ela foi vasta. Escrevi cerca de duzentos trabalhos científicos que foram pontos de partida para inúmeros projetos de pesquisas posteriores. Os temas dessas publicações vão desde a neuropsicologia até a crítica literária, passando por deficiência, linguagem, psicologia e educação.




3.2. Lev Vygotsky Marta Kohl de Oliveira
      
TEXTO E APRESENTAÇÃO


Introdução

Na área da Psicologia da Educação Piaget tem sido nossa principal referência historicamente. O aparecimento do Vygotsky trouxe uma alternativa, uma vez que Piaget não é um autor que se preocupe particularmente com a escola, com o professor, com a intervenção pedagógica.

O aparecimento do Vygotsky atrai os educadores, porque é um autor que fala da escola, fala do professor e valoriza a ação pedagógica e a intervenção.
É um autor que valoriza muito a escola, valoriza muito o professor, a intervenção pedagógica, o papel do educador na formação do sujeito, quer dizer, o sujeito que passa pela escola, tem na escola uma instituição fundamental para sua definição, para seu funcionamento psíquico.


Planos genéticos de desenvolvimento

Uma forma muito interessante de entrarmos na concepção de Vygotsky sobre desenvolvimento é uma questão que ele chamou de Planos Genéticos de Desenvolvimento. É uma idéia de que o mundo psíquico, o funcionamento psicológico não está pronto previamente, não é inato, não nasce com as pessoas, mas também não é recebido pelas pessoas como um pacote pronto do meio ambiente. Então, Vygotsky é um autor, como outros, como Piaget, Wallon, que é chamado de interacionista, porque ele leva em conta coisas que vêm de dentro do sujeito vêm do ambiente. Mas a postulação interacionista do Vygotsky ganha vida se prestarmos atenção nos Planos Genéticos de Desenvolvimento que ele postula, porque ele fala em quatro entradas de desenvolvimento que, juntas, caracterizariam o funcionamento psicológico do ser humano.

Uma é a Filogênese, que é a história da espécie humana; outra é a Ontogênese, que é a história do individuo da espécie; outra a Sociogênese, que é a história cultural, do meio cultural no qual o sujeito está inserido; e a Microgênese, que é o aspecto mais microscópico do desenvolvimento.


Filogênese

A Filogênese diz respeito à história de uma espécie animal. Todas as espécies animais têm uma história própria e essa história da espécie define limites e possibilidades de funcionamento psicológico. Então, têm coisas que somos capazes de fazer e outras que não somos capazes de fazer.

Por exemplo, somos bípedes, temos as mãos liberadas para outros tipos de atividades, tem uma determinada conformação da mão, que permite movimentos finos, em pinça, por exemplo, que é uma coisa particular da espécie humana, muito importante. Temos a visão por dois olhos, que é a visão binocular. Então, temos uma série de características do corpo humano, do organismo, que vão servir de fundamento para o funcionamento psicológico depois.

Como dito, tem coisas que fazemos e outras que não fazemos. Andamos, mas não voamos. E uma das características muito importantes da espécie animal humana é a plasticidade do cérebro. Temos um cérebro extremamente flexível, que se adapta a muitas circunstâncias diferentes. E isto está ligado ao fato de que nossa espécie é a menos pronta ao nascer, quer dizer, o membro da espécie humana é o menos pronto ao nascer. Então, porque temos uma parte do desenvolvimento tão em aberto é que temos também um cérebro tão flexível, porque, dependendo do que o ambiente fornecer, o cérebro vai se adaptando e funcionando de um determinado jeito.

O segundo plano genético de que Vygotsky fala é o chamado ontogênese, que significa o desenvolvimento do ser, de um indivíduo, de uma determinada espécie. Em cada espécie, o ser, o membro individual daquela espécie, tem um caminho de desenvolvimento. Nasce se desenvolve, se reproduz, morre, num ritmo determinado de desenvolvimento, com certa seqüência etc. e este plano genético da ontogênese está muito ligado à filogênese, porque os dois são de natureza muito biológica, dizem respeito à pertinência do homem à espécie. Somos membros de uma determinada espécie e, por ser membro desta determinada espécie, passa por certo percurso de desenvolvimento que é um determinado percurso e não outro. Por exemplo, a criança nasce e só fica deitada, depois ela aprende a sentar, engatinhar, andar, por exemplo, nesta seqüência, e assim por diante. Então, tem várias coisas que são determinadas pela passagem daquele individuo da espécie por uma seqüência de desenvolvimento.


Sociogênese

O terceiro plano genético postulado pelo Vygotsky é o chamado sociogênese, ou história cultural, que é a história da cultura onde o sujeito está inserido, mas não a história no sentido 11 da História do Brasil, a História do Mundo Ocidental, mas as formas de funcionamento cultural que interferem no funcionamento psicológico, que definem de certa forma o funcionamento psicológico.

Então, essa questão da significação pela cultura tem dois aspectos. Um que a cultura funciona como um alargador das potencialidades humanas. Como já dito: o homem anda, mas não voa, agora voa porque criou o avião. E um outro aspecto da história cultural é como cada cultura organiza o desenvolvimento de um jeito diferente. Então, a passagem pelas fases do desenvolvimento é relida também, lida e relida pelas diferentes culturas de formas diferentes.

Quanto a isto, um exemplo bem importante é o da adolescência. A puberdade é um fenômeno biológico, todos os seres humanos passam pela puberdade, amadurece sexualmente, aparecem caracteres sexuais secundários, que possibilita a reprodução etc., mas a puberdade é compreendida historicamente de formas diferentes em cada cultura. Então, o conceito de adolescência é um conceito cultural, embora esteja assentado sobre um conceito biológico, que é a puberdade. Em nossa cultura, por exemplo, a adolescência é um período bastante estendido.

Hoje ela é muito mais entendida que há trinta anos atrás. Hoje uma menina de nove anos, embora esteja já preocupada em se arrumar, em ter namorado, pode morar com os pais até os trinta anos e ter uma relação de filha, de adolescente.

Outro exemplo interessante é o da terceira idade, como categoria que a nossa cultura criou há muito pouco tempo. Sempre tivemos o velho, sempre tivemos o idoso, mas a categoria Terceira Idade, como uma categoria que tem produtos de mercado especiais para ela, tem atividades especiais, tem instituições que cuidam disso, e que é consumido assim, é uma categoria claramente cultural. Ela não diz respeito ao envelhecimento do corpo, ela diz respeito como a cultura olha o idoso.


Microgênese

A microgênese diz respeito ao fato de que cada fenômeno psicológico tem sua própria história. Por isto é micro, no sentido, não necessariamente de pequeno, mas com foco bem definido. Ao invés de pensarmos a História do Brasil, a história das famílias de classe média em São Paulo, uma coisa maior... A micro é, entre saber uma coisa e não saber, por exemplo, uma criança primeiro não sabe amarrar o sapato, depois ela sabe amarrar o sapato. Ou seja, entre o saber e o não-saber algo, um tempo passou. Então podemos, interessados em compreender o desenvolvimento, olhar de uma forma micro para a história deste fenômeno. Como a criança aprendeu a amarrar o sapato, é a microgênese do aprender a amarrar o sapato.

O que é bem interessante a respeito da microgênese, é que ela é a porta aberta dentro da teoria para o não determinismo. Porque a filogênese e a ontogênese, de certa forma, carregam certo determinismo biológico, ou seja, o sujeito está atrelado às possibilidades da sua espécie, do seu momento, do seu desenvolvimento como ser daquela espécie etc. Na sociogênese tem certa tinta determinista em termos culturais, a cultura está definindo por onde você pode se desenvolver, está dando também limites e possibilidades históricas de desenvolvimento. A microgênese faz com que olhemos como cada pequeno fenômeno tem a sua história, e como ninguém tem uma história igual ao do outro, é aí que vai aparecer a construção da singularidade de cada pessoa e daí a heterogeneidade entre os seres humanos. Quer dizer, não encontramos duas coisas iguais, mesmo coisas que podem parecer ser tão parecidas resultam diferentes. Temos duas crianças da sala de aula, as duas têm sete anos, as duas são de família de classe média, as duas têm pais com ensino médio, as duas estão naquela escola, naquela sala, moram naquele bairro, tudo tão parecido!, mas as crianças não são iguais. Por quê? Porque elas têm experiências diferentes, uma tem mais irmãos, outra menos; uma assiste muita televisão, a outra não assiste; uma foi para a pré-escola, à outra não foi... Quer dizer, tem fatos na história de cada um que vão definir a singularidade a cada momento da vida do sujeito.


Mediação simbólica

A invenção e o uso dos símbolos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico, tais como lembrar, comparar, relatar, escolher, é análoga à invenção e ao uso de instrumentos. Só que agora, no campo psicológico. A idéia de mediação é a idéia mesmo de intermediação: ter uma coisa interposta entre uma e outra coisa. No caso do ser humano, a idéia básica do Vygotsky é que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas é uma relação mediada. A mediação pode ser feita através de instrumentos e de signos.

A mediação por instrumentos é o fato de que nos relacionamos com as coisas do mundo usando ferramentas, ou instrumentos intermediários. Por exemplo, se vou cortar um pão, uso uma faca; se vou cortar uma árvore, usa um machado, uma moto-serra. Então, esses instrumentos da tecnologia estão fazendo uma mediação entre minha ação concreta sobre o mundo e o mundo.

Os signos são formas posteriores de mediação, que fazem uma mediação de natureza semiótica, ou simbólica. Fazem uma interposição entre o sujeito e o objeto do conhecimento, entre o psiquismo e o mundo, o eu e o objeto, o eu e o mundo, de uma forma que não é concreta, como fazemos com os instrumentos, mas de uma forma simbólica.

Tem uma primeira forma de signos que ainda tem uma existência concreta. Por exemplo, o banheiro masculino, feminino, nas portas de sanitários: um chapeuzinho para homem e uma sombrinha para a mulher. Isso é um signo. Uma coisa que representa a idéia de masculino e feminino, todo mundo compartilha dessa representação, quer dizer, os usuários do sistema sabem que aquilo quer dizer homem, que aquilo que dizer mulher, e acertam a informação, tomam posse da informação de uma forma adequada.

O fato de eu mudar o anel de dedo para lembrar que tenho que telefonar para alguém, por exemplo, não é o próprio ato de telefonar, não está ligado ao ato de telefonar, mas é uma informação de natureza simbólica que está interposta entre a intenção de fazer alguma coisa e a própria ação. Então ainda é concreto, ainda está visível por outros, está marcado no mundo, fora de mim, mas não é de natureza instrumental, é de natureza simbólica, no sentido de que não age concretamente sobre as coisas, mas age no plano simbólico.

O outro plano em que aparecem os signos é o plano totalmente simbólico, internalizado, as coisas são postas para dentro do sistema psicológico e funcionam como mediadores, semióticos, ou simbólicos, dentro do nosso sistema psicológico. Para isso, aparece uma característica que é tipicamente humana que é a possibilidade de representação mental, a possibilidade de transitar por um mundo que é só simbólico.

Então, por exemplo, quando encontramos pela frente uma mesa, quando a vemos, não estamos nos relacionando com ela de uma forma não mediada, direta, só a sentimos perceptualmente, damos-lhe uma trombada, ou nos encostamos a ela e sentimos que ela tem uma aresta pontuda, ou apoiamos coisas sobre ela, fisicamente só. Olhamos para aquele objeto e vemos uma mesa, ela nos remete a uma coisa unicamente simbólica, que está em nossa cabeça, que é o conceito de mesa, a idéia de mesa, a palavra de mesa, a imagem de mesa. Aí depende de como vamos compreender essa forma de representação na mente, mas seja qual for a forma, tem uma forma de representação das coisas do mundo que está dentro de nós, que não são o próprio mundo, são representações do mundo. E isso é uma coisa típica e exclusivamente humana, que permite o trânsito do ser humano por dimensões do simbólico. Podemos transitar por dimensões de tempo, pensar em coisas que já nos aconteceram, podemos antecipar coisas futuras, pensar coisas que estão em outro espaço, tudo por meio desse trânsito simbólico desses mediadores que fazem a intermediação entre nossa pessoa e o mundo.

O ato de por o dedo na chama da vela e sentir dor, é o ato de relação direta com o mundo, não mediada: tem o fogo, meu dedo, ponho o dedo no fogo e queima, pronto. Não mediado. Numa segunda vez, numa próxima experiência, a criança pode ver a vela, chegar com o dedo perto e tirar, antes de queimar, só por sentir o calor. A ação dela, então, estará sendo mediada pela lembrança da experiência passada com a dor, ou pela lembrança da mera visão da vela, ou quando ela começar a sentir o calor, ela vai lembrar da dor e tirar o dedo. Na primeira vez, é uma relação direta: vela, criança. Na segunda vez, é uma relação mediada, mediada pela experiência anterior.

A mãe que chega e fala: "não põe a mão na vela, porque queima". E a criança não põe, obedecendo a mãe, ela tem uma relação mediada entre ela e a chama da vela, mas não foi mediada pela própria experiência, pela dor sentida efetivamente, mas pela informação que ela recebeu de uma outra pessoa. Isso é uma coisa que, em termos educacionais, é extremamente importante.

Quer dizer, grande parte da ação do homem no mundo é mediada pela experiência dos outros, não precisamos viver tudo em primeira mão. Isso é essencial para os processos de crescimento e desenvolvimento histórico, senão cada ser humano estaria começando tudo do zero.


Pensamento e linguagem

Na ausência de um sistema de signos, Iingüísticos ou não, somente o tipo de comunicação mais primitivo e limitado torna-se possível. Um ganso amedrontado, pressentindo subitamente algum perigo, ao alertar o bando inteiro com seus gritos, não está informando aos outros aquilo que viu, mas, antes, contagiando-os com seu medo.


Signos

Os signos são construídos culturalmente. Quer dizer, não é que o sujeito inventa signos por si próprios, ele desenvolve a capacidade de representação simbólica, inserida numa cultura que lhe fornece material para que desenvolva esse campo do simbólico. O principal lugar cultural onde isso acontece é na língua. Todos os outros humanos têm uma língua e ela é o principal instrumento de representação simbólica que os seres humanos dispõem.

Aqui é importante fazermos uma digressão. Falamos em linguagem. Na verdade, quando falamos em linguagem, no pensamento de Vygotsky, nas relações pensamento e linguagem, o termo melhor seria língua, porque não é de qualquer linguagem que ele está falando, não é a linguagem da dança, a linguagem do gesto, a linguagem facial, mas a língua mesmo, a fala, o discurso.

Como todos os grupos humanos têm uma língua, esta língua é um objeto de atenção primordial do Vygotsky, vai ser muito importante para ele pensar o desenvolvimento do pensamento.

Ele trabalha com duas funções básicas da linguagem. Primeira função é a de comunicação. As pessoas primeiramente desenvolveram a língua para se comunicar, para resolverem problemas de comunicação. Esse aspecto da língua está presente nos animais. Os animais também se comunicam por algum tipo de linguagem, que é gestual, ou sonora, com o objetivo explícito de comunicação, de troca entre os membros da espécie. É assim que, também para o ser humano a linguagem nasce. Quer dizer, ela nasce como forma de comunicação. Então, o bebê, a primeira coisa que ele faz é chorar, é o primeiro ato de língua dele. Isso tem uma função comunicativa, e!e não tem uma pretensão de transmissão de uma informação muito precisa, amarrada ou conceitual, nenhum seria possível.

Uma segunda função da linguagem, que irá aparecer mais tarde no desenvolvimento, é o que Vygotsky chama de pensamento-linguagem é muito forte. E o fato de que o uso da linguagem implica numa compreensão generalizada do mundo, quer dizer, ao nomear alguma coisa, estamos realizando um ato de classificação. Ao chamarmos o cachorro de cachorro, o estamos colocando numa classe de objetos do mundo que são agrupáveis com ele, todos os cachorros seriam colocáveis naquela mesma categoria, para a qual posso usar o rótulo cachorro e, ao mesmo tempo, estamos distinguindo esta categoria de todas as outras, um cachorro não é um gato, não é um girafa, não é um sapato, não é uma cadeira. Então, se tivermos uma palavra, ela já serve para classificar o mundo em duas grandes categorias. Se tivermos a palavra copo, já tenho tudo o que é copo e tudo o que é não-copo. O ato de nomear é o ato de classificar. Isto é uma coisa extremamente importante, porque o grande salto qualitativo na forma de relação do homem com o mundo é que somos capazes de abstrair, generalizar, classificar e isto só é possível porque dispomos de um termo simbólico articulado, compartilhado, organizado por regras, e, tal como a língua, que nenhuma outra espécie animal tem.

O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se trata de um fenômeno da fala ou do pensamento. Do ponto de vista da Psicologia, o significado de cada palavra é uma generalização ou um conceito. E como as generalizações e os conceitos são atos de pensamento, podemos considerar o significado como um fenômeno do pensamento.

Para Vygotsky a relação entre pensamento e linguagem, ele vai postular como sendo muito forte, muito tipicamente humana e muito importante para a definição do que é o funcionamento do psicológico humano. Mas esta relação, que ele postula como tão forte, não nasce com o sujeito, ela não aparece pronta, ela é uma coisa que se desenvolve durante o desenvolvimento psicológico, tanto na história da espécie, na filogênese, como na história do próprio indivíduo, na ontogênese.

Então, na filogênese, para começar por ela, primeiro há linguagem, existe linguagem, e existem pensamentos separados. Então existe linguagem, com aquela função primeira de comunicação, em todas as espécies animais. Mas peguemos como exemplo, o chimpanzé, que é a espécie mais próxima do humano, onde podemos olhar melhor para coisas que pertencem à história humana. Quer dizer, olhando os chimpanzés podemos imaginar um pouco como foi o homem antes do momento atual de desenvolvimento filogenético.

Os chimpanzés usam a linguagem para se comunicar, ela tem só a função comunicativa, ela só tem aquela primeira função, de intercâmbio social. Tem comunicação ali, têm gestos, têm expressões faciais, têm sons etc., só a linguagem separada. E tem alguma coisa que poderíamos chamar de primórdio de pensamento, que é chamado na Psicologia de inteligência prática. Os chimpanzés são capazes de resolver problemas no mundo concreto de uma forma. Já inteligente, no sentido de que ele atua sobre o ambiente, ele resolve problemas, ele busca soluções, mas de uma forma inserida num contexto perceptual imediato. Têm esses experimentos bem conhecidos na Psicologia. O chimpanzé é capaz de empilhar alguns caixotes, para alcançar algumas bananas que ele não alcança só com seu corpo, é capaz de pegar uma vara e puxar uma fruta que está fora da jaula, com ajuda da vara. Quer dizer, ele está usando instrumento, está agindo ativamente sobre o ambiente para solucionar um problema, então ele está usando uma inteligência prática, que é assim chamada porque não tem nenhum componente simbólico. Por exemplo, se o chimpanzé  tiver a banana e a vara no mesmo campo visual ele já não resolve o problema, ele não é capaz de imaginar que ele precisa, para alcançar aquela banana, mais do que o próprio corpo, e ele vai à busca de uma solução. Ele não é capaz de fazer isto. Isso é um indicador de que ele não está agindo num plano simbólico, mas só num plano concreto.

Na criança, no bebê, também aparece isso. Aparece a comunicação com fins de intercâmbio social, através de choro, gestual, outros tipos de sons, expressões faciais, e aparece a construção de urna inteligência prática similar a do chimpanzé. A criança pré-linguísitica, antes da aquisição da linguagem, tem uma ação no mundo parecida com a que o chimpanzé tem Ela é capaz de pegar um banquinho para alcançar um brinquedo que ela não alcança sozinha, ela é capaz de procurar uma bola que caiu atrás do sofá, de usar uma coisa para puxar a outra. Quer dizer, ela age inteligentemente no ambiente, resolvendo problemas, usando instrumentos e tal, num plano concreto, sem mediação simbólica.

Então, tanto na história da espécie, como na história da criança, há um momento em que existe linguagem com esta função primeira, de intercâmbio social, e existe pensamento, ou primórdios de pensamento, que seria essa inteligência prática.

Num determinado momento do desenvolvimento, essas duas potencialidades se unem. E daí pensamento e linguagem se atrelam e não se desatrelam mais e vão representar uma parte substancial do funcionamento psicológico humano. Na história da espécie, isto aconteceu num determinado momento do desenvolvimento da espécie, que significa o ingresso da espécie humana na espécie humana propriamente, o momento em que nasce a espécie humana. Claro que espalhado ao longo de milhares de anos, mas o homem passa a ser capaz de se comunicar pela linguagem, como um sistema articulado e a inteligência dele passa a ser abstrata, podendo funcionar em planos simbólicos, como falamos antes. Passa a ser capaz de circular por momentos e espaços ausentes do espaço atual, perceptual presente, ele pode ser capaz de imaginar.  Inventar, criar, recuperar coisas que aconteceram no passado. Ele tem uma inteligência, ele passa a ter uma inteligência, um pensamento de natureza simbólica, e isso é permitido pela linguagem.

Inicialmente por aquela função segunda da linguagem, que é de pensamento generalizante, mas também por várias outras características da linguagem, que podemos imaginar. Por exemplo, o fato de termos verbos do presente, passado, futuro, permitindo que transitemos pelo tempo em termos simbólicos. O fato de possuirmos termos para negação, permite que neguemos no discurso, que concebamos o não, a inexistência, o zero, o nenhum, porque a língua permite isso. Na ausência da língua seria muito difícil concebermos a ausência, a presença até sim, mas a ausência não.

A relação entre o pensamento e a palavra é o movimento contínuo de vai-e-vem do pensamento para a palavra e vice-versa. O pensamento não é simplesmente expresso em palavras. É por meio delas que ele passa a existir.

A língua é uma coisa que está fora da pessoa inicialmente. Quer dizer, quando a criança nasce, ela nasce num meio falante, que já tem uma língua e que ela vai se apropriar desta língua ao longo do seu desenvolvimento. Esse é um movimento que vai acontecer de fora para dentro. Então, para Vygotsky, o primeiro uso da linguagem é o que ele chama de fala socializada. Quer dizer, é a fala da criança com os outros, para os outros, só do lado de fora dela, só com essa função comunicativa inicial. É na interface dela com o outro que a língua aparece primeiro. E o ponto de chegada da língua, o mais desenvolvido de todos, é o chamado discurso interior. É o fato de que incorporamos um sistema simbólico no nosso aparato psicológico e somos capazes de ter, internamente, esse plano simbólico do funcionamento psicológico com o suporte da língua, mas ele está lá dentro de nós. Então, não precisamos falar alto. É como se nosso pensamento acontecesse, em grande medida, apoiado nas palavras, nos conceitos, certamente, mas não precisamos externalizar isto, funciona dentro da nossa cabeça. Então, pensamos sozinhos, com o suporte das palavras, com o modo de pensar de nossa língua, com as possibilidades de trânsito pelo mundo do simbólico que a língua nos dá, mas tudo isso dentro da nossa cabeça. Então, as coisas começam do lado de fora e acabam internalizadas.

O Vygotsky propõe que, entre uma coisa e outra, entre o que acontece lá fora e o que acontece dentro, ocorre um momento do desenvolvimento que é a chamada fala egocêntrica. Que é - quem tem contato com criança sabe disto -, a fase da criança por volta dos três, quatro anos, fala sozinha. Ela fala alto, mas está falando para ela mesma, não precisa do interlocutor. Ela pode estar sozinha no ambiente e ela fala também. Este fenômeno foi identificado pelo Piaget e o Vygotsky se apropria da idéia do Piaget para discutir essa idéia. Mas eles a usam com concepções bem diferentes, justamente porque o Vygotsky está trabalhando as coisas de fora para dentro e o Piaget de dentro para fora. Então, para o Piaget existe fala egocêntrica, mas ela é um indicador de que o desenvolvimento está saindo de dentro do sujeito e indo para fora. E no Vygotsky é exatamente o oposto. A existência da rala egocêntrica indica que a rala está sendo posta para dentro. Aquela comunicação que era entre as pessoas vai estar sendo internalizada pelo sujeito, para se tornar um instrumento dele, interno. Então, essa fala egocêntrica, esse ralar sozinho da criança, é como se ele estivesse usando um formato ainda socializado da língua, que é falar alto, mas com uma função do discurso interior, que é a "fala para mim". Quando a criança está fazendo uma tarefa, dizer: "ah, agora.0 vou pegar o lápis azul... ah, vou pegar um brinquedo, mas não alcanço, então preciso de um banquinho ... " É como se ela ficasse falando para ela mesma, explicitando para ela mesma, passos de raciocínio, necessidades na seqüência da solução de problemas. A linguagem egocêntrica aparece muito mais quando a criança está posta em situação de dificuldade cognitiva, que evidencia o rato de que a linguagem é um instrumento de pensamento. Então ela a está usando como suporte, usa a língua para ajudá-la a resolver um problema.


Desenvolvimento e aprendizagem

As relações entre desenvolvimento e aprendizagem são aspectos bem importantes da teoria do Vygotsky, porque ele trabalha muito nesta área da Psicologia ligada à educação. E por um postulado básico de sua teoria, que é o fato de que o desenvolvimento se daria de fora para dentro, o desenvolvimento humano. Por causa da importância da cultura, por causa importância da imersão do sujeito no mundo humano em volta dele. A idéia de que o desenvolvimento se dá de fora para dentro para ele, portanto a aprendizagem aparece como uma coisa extremamente importante para ele na definição dos rumos do desenvolvimento. Para Vygotsky a aprendizagem é que promove o desenvolvimento. É porque o sujeito aprende, porque ele faz coisas no mundo que fazem com que ele aprenda é que ele se desenvolve. É como se aprendizagem puxasse o desenvolvimento do sujeito e isto também está atrelado à idéia de que o caminho do desenvolvimento está em aberto. Como a cultura, em grande medida, vai definir por onde o sujeito vai e também a especificidade de cada sujeito vai ser definida em sua interfase com o mundo, em suas experiências de aprendizagem, em seus procedimentos micro-genéticos vistos anteriormente, o fato de aprender é que vai definir por onde o desenvolvimento vai se dar.

É interessante pensarmos que esse é um ponto bem forte de contra ponto entre Vygotsky e Piaget. Para Piaget, como o desenvolvimento se dá mais de dentro para fora, o motor endógeno de desenvolvimento é que impulsionaria o desenvolvimento psicológico. Por desenvolver-se é que o sujeito pode aprender. Ele aprende porque está em determinado estágio de desenvolvimento.

Para Vygotsky é mais o contrário, ele se desenvolve porque ele aprende. Uma atividade interessante de focarmos com relação a isto é o brinquedo, a brincadeira, ou o jogo simbólico, ou o jogo de papéis, que é a brincadeira de faz-de-conta. Este jogo de papéis para Vygotsky é muito importante, como um lugar de desenvolvimento, exatamente por causa dessa relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Na brincadeira, no jogo de papéis, a criança está, ao mesmo tempo, transitando pelo mundo do imaginário - ela é a professora, é claro não é uma professora de verdade, ela está brincando de ser professora, então é imaginário -, mas ao mesmo tempo está regido por regras. Se ela vai brincar de escolinha, ela está restrita pelas regras de funcionamento de uma escola, seja uma escola verdadeira ou uma escola imaginária da criança, mas tem regras, não pode ser qualquer coisa.

A imposição de regras é uma imposição que vem do funcionamento da cultura, justamente como os jogos de papéis, jogos simbólicos, jogos de faz-de-conta. Ele é uma mímica das atividades do mundo adulto, ele traz para dentro do mundo da criança as regras de funcionamento do mundo adulto, é um jeito de realizar uma atividade tipicamente infantil, que envolve aprendizagem e promove o desenvolvimento. É como se a criança fosse puxada para adiante daquilo que ela é capaz de fazer como criança no momento da brincadeira. Quer dizer, ela se aproxima do papel de mãe sem ser mãe em sua vida cotidiana.

No brinquedo, a criança se relaciona com o significado das coisas e não com os próprios objetos. Por exemplo, ela pode pegar um toquinho de madeira e fingir que é um carrinho. Então, ela está se relacionando com o significado de carro e não com o objeto toco de madeira. E isso promove para ela um descolamento do mundo perceptual imediato e faz com que ela se relacione com o mundo do significado, o que também a ajuda a entrar neste trânsito do mundo simbólico, das representações, da língua e das relações. Aí entra pensamento e linguagem etc. O brinquedo é um bom exemplo de como atividades realizadas do lado de fora, que constituem aprendizagem, promovem o desenvolvimento num caminho tipicamente humano, definido por um percurso que está atrelado à cultura.

Desenhar e brincar deveriam ser estágios preparatórios para o desenvolvimento da linguagem escrita das crianças. Os educadores devem organizar todas essas ações e todo o complexo processo de transição de um tipo de linguagem para outro. Devem acompanhar este processo através de seus momentos críticos. Até o ponto da descoberta de que se pode desenhar não somente objetos, mas também a fala.


Zona de desenvolvimento proximal

Um aspecto muito importante da teoria de Vygotsky com relação ao desenvolvimento é a idéia dele de que o desenvolvimento deve ser olhado de uma maneira prospectiva e não retrospectiva. Isto é, deve ser olhado para frente, aquilo que ainda não aconteceu. Normalmente olhamos para aquilo que já aconteceu, que já passou. Normalmente perguntamos: "seu filho já sabe amarrar sapato?, o bebê já senta?, essa criança já aprendeu a ler e a escrever?". Então, nos referimos ao já, àquilo que já está consolidado, que já terminou, que já está pronto na criança.

Mas aquilo que está em processo, que está por acontecer, é ali que vai acontecer a intervenção pedagógica, a ação educacional de qualquer tipo e também é ali onde o desenvolvimento está efervescente, está fervendo em termos de um fenômeno a ser compreendido pelo estudioso do desenvolvimento. Então, para esta questão, esta idéia básica do Vygotsky toma corpo, num conceito que é típico da teoria dele, que é muito conhecido, que é o conceito de zona de desenvolvimento proximal, ou potencial. Para explicar esta zona ele trabalha com dois outros conceitos, ele fala em nível de desenvolvimento real, que é o nível de desenvolvimento até o qual a criança já chegou, que é o tal do desenvolvimento passado, ou o olhar retrospectivo, ou seja, aquilo que ela já tem. Na outra ponta teríamos aquilo que ele chama de nível de desenvolvimento potencial, que é aquilo que a criança ainda não tem, mas que podemos imaginar que está próximo de acontecer, que está num horizonte próximo, não muito longínquo. Geralmente sabemos que está próximo, porque a criança consegue se relacionar com aqueles objetos de conhecimento e de ação não autonomamente ainda, mas com ajuda, com instrução do outro, com intervenção de um parceiro mais experiente. O fato de que ela não faz sozinha, mas faz com ajuda, identifica que aquilo pertence a um plano de desenvolvimento que está próximo de se consolidar. E daí, entre aquilo que já está pronto e aquilo que está presente em semente, é que o Vygotsky localiza esta chamada zona de desenvolvimento proximal. Que é um pedaço do desenvolvimento que permite, quer dizer, que é o mais interessante em termos de desenvolvimento, que é onde o desenvolvimento está acontecendo agora, e é o que permite a intervenção. Quer dizer, é ali que podemos colocar o dedo para operar transformações.

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação. Funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário.

Uma coisa que é bem importante de falar sobre isso é que esse conceito de Vygotsky é um conceito que tem um valor explicativo dentro da teoria, mas ele não é um conceito instrumental.

Não podemos pegar o conceito de zona proximal, entrar em uma sala de aula e querer medir a zona proximal dos alunos, identificar as zonas proximais e tal, porque ele é um conceito muito flexível e muito complexo, ele não é visível na prática. Quer dizer, ele nos ajuda a entender o desenvolvimento, mas não é visível na prática, pois para cada tópico de desenvolvimento, para cada criança, em cada micro-momento teríamos uma zona. Então, se entramos numa sala de aula com quarenta alunos e vamos trabalhar adição com reserva hoje, temos quarenta zonas proximais em movimento, porque cada vez que falamos alguma coisa estou alterando a zona de cada criança, ou de uma parte delas, pelo menos.


Intervenção pedagógica

Um aspecto muito peculiar da teoria do Vygotsky, muito central nas concepções dele sobre desenvolvimento, aprendizagem, é a importância da intervenção das outras pessoas no desenvolvimento de cada sujeito.

Aqui entra uma coisa bem importante para Vygotsky, que é a importância deste mundo humano, desta cultura, do outro social, mas não em termos de um ambiente onde o sujeito está simplesmente imerso, não é como se fosse um caldo onde tivéssemos posto lá dentro e passivamente fosse absorvendo informações do ambiente. Ele coloca uma posição muito ativa, primeiro para o próprio sujeito, quer dizer ele está se relacionando com o mundo de informações, significados, modos de ser, rumos de desenvolvimento e tal, onde ele também age, ele não é um ser passivo, que recebe passivamente a informação do mundo, mas a cada momento de sua história ele é um sujeito pleno, que retroage, que age sobre o ambiente, que dialoga, que impõe significados, que traz sua subjetividade, seu modo de ver o mundo, sua própria história, naquela relação de aprendizagem que promoverá desenvolvimento. E, além disto, a influência do ambiente também não está se dando de uma forma só por imersão, o sujeito não absorve informações do ambiente de um ambiente que é passivo, ele absorve informações de um ambiente que está estruturado pela cultura. Por exemplo, um bebê brincando sozinho no berço, está brincando num ambiente cultural, estruturado pela cultura, porque é dentro de um berço, não é numa esteira no chão, porque é com aqueles brinquedos e não com outros, porque é sozinho e não acompanhado, porque é num quarto de um determinado tipo, com determinado som em volta etc.

O Vygotsky ainda fala sobre um outro aspecto que extremamente importante que é o da intervenção ativa das outras pessoas na definição dos rumos do desenvolvimento. Então, para ele, a intervenção pedagógica é essencial na promoção do desenvolvimento de cada indivíduo, de cada sujeito. O sujeito não percorreria caminhos de desenvolvimento sem ter experiências de aprendizagem, resultado da intervenção deliberada de outras pessoas na vida dele. Interferir intencionalmente no desenvolvimento das crianças é importantíssimo na definição de seu desenvolvimento.

Então, o sujeito depende dessa intervenção para se desenvolver adequadamente nos rumos que aquela cultura supõe como os rumos adequados para o desenvolvimento. Desenvolver-se numa sociedade que tem escola, é diferente de desenvolver-se numa sociedade que não tem escola. Então, escola, numa sociedade escolarizada é um lócus cultural extremamente importante, para a definição dos rumos de desenvolvimento. E a intervenção pedagógica é essencial na definição do desenvolvimento do sujeito.
Uma das originalidades dessa teoria, principalmente para a época em que foi feita, é justamente essa tentativa de ver a criança de um modo mais integrado. E de fato nos parece que, hoje em dia, a complexidade dos processos educativos, mesmo os vários estudos da criança, muitos apontam para a necessidade de não dissociarmos campos que são indissociáveis. Por exemplo: a afetividade e a inteligência.



3.3. Henri Wallon


Bibliografia de Henri Wallon

Henri WaIlon nasceu na França, em 1879. Viveu toda a sua vida em Paris.
Antes de chegar a Psicologia e à Educação, passou pela Filosofia e pela Medicina. WaIlon viveu num período marcado por muita instabilidade social e turbulência política.
Acontecimentos com as duas guerras mundiais, o avanço de Fascismo, no período entre guerras; as revoluções socialistas e as guerras para libertação das colônias na África, atingiram profundamente a França. Participou ativamente de movimentos contra o fascismo e da resistência à ocupação nazista.
Atuou como médico em instituições psiquiátricas até 1931, atendendo crianças com deficiências neurológicas e distúrbios de comportamento.
Ele via a escola como um contexto privilegiado para o estudo da criança. Acreditava que a Pedagogia oferecia campos de observação à Psicologia e questões para investigação. A Psicologia, por sua vez, ao construir conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil ofereceria um importante instrumento para o aprimoramento da prática pedagógica.
Foi um dos autores do plano Le je vie WaIlon, um ambicioso projeto de reforma de ensino.
Faleceu em 1962.


Introdução

O projeto teórico de WaIlon, em sua vertente de psicólogo, é-a psicogênese da pessoa, isto é, estudar a gênese dos processos que constituem o psiquismo humano. Por meio do estudo da criança, concentrou seus estudos nas fases iniciais da infância, a intenção é compreender como vai se embricando, articulando, a complexidade de campos e de fatores que constitui o psiquismo humano, tendo ressalvado seu limite, que é estudar o campo da consciência.

Nessa tentativa de olhar a criança de um modo integrado, vai delinear quatro campos, que são chamados campos funcionais, sobre os quais a teoria vai fornecer mais elementos.


O Movimento

O movimento que é o primeiro sinal de vida psíquica que dá a criança ao nascer, e que é uma dimensão que vai permear todas as idades e todos os campos. E é interessante destacar que no estudo do movimento, Wallon discrimina duas dimensões do movimento. Uma, é dimensão mais expressiva, que é o movimento que não significa deslocamento necessariamente, mas que é a expressão que está na base das emoções. E a outra dimensão do movimento que ele irá estudar, é a dimensão instrumental, isto é, é um movimento mais comum ente estudado, que é de ação direta sobre o meio físico, o meio concreto.


As Emoções

Wallon vai destacar um tipo específico de manifestação afetiva para estudar mais a fundo, que são as emoções.
Por que ele vai estudar as emoções? Justamente por serem as emoções as primeiras manifestações afetivas que compõem, que estão presentes e que se constituem na criança. Vai mostrar como as emoções são um fator fundamental de interação da criança com o meio no qual ela está inserida.



A Inteligência

Na teoria de Wallon tem vários elementos interessantes também para compreender o desenvolvimento da inteligência. E da inteligência, que também é um campo abrangente, ele vai destacar aquilo que ele chama inteligência discursiva: a inteligência que se expressa e que se constitui por meio da linguagem, por meio da fala:


Pessoa

O quarto campo é o campo que ele nomeia pessoa, que é, ao mesmo tempo, aquilo que articula todos os demais, mas também é um campo independente? Ele vai mostrar, portanto, como, ao longo do desenvolvimento, vai se construindo a noção, para cada sujeito, de si mesmo, diferente do outra. A noção do eu, ou consciência de si, que é como ele fala.

A relação entre esses quatro campos funcionais, portanto: o movimento, a emoção, inteligência e pessoa, nem sempre são de harmonia. É uma relação também, que está muito marcada pelo conflito, pelos antagonismos, embora cada um desses campos seja inseparável um do outro.
Além de tentar ver a criança de forma integrada, esse olhar teórico vai buscar enfocá-la de modo contextualizado. A pessoa inserido nos seus meios, nos seus contextos de atuação.

Portanto, a atitude teórica de Wallon vai sempre procurar compreender o sentido de uma conduta, em função dos contextos dos quais essa conduta está inserido.


Ser e vir a ser

A perspectiva de Wallon vai olhar a infância, ao mesmo tempo, como estado provisório, como uma fase de preparação para a vida adulta, e como uma fase que tem um sentido em si própria. E difícil, na verdade, articular essas dimensões, o mais comum é olharmos a criança somente como vir a ser. Ou seja, a infância só com uma fase de preparação, que não tem um valor em si. Quando se olha assim à infância, tem-se muita dificuldade em compreender as capacidades da criança, porque a veremos sempre como um ser inacabado. Ou, então, vê lá só em seu estado atual, não levando em conta o fato de que ela se transforma e que sua tendência é virar um adulto.

Perceberemos que só justificar as práticas, conteúdos etc., pelo futuro, não se sustenta, porque temos que olhar a criança também no que ela é hoje, em suas demandas atuais, e articular em termos das oportunidades essa dupla dimensão.


História

Mas é evidente que a escola também não pode anular uma terceira dimensão temporal que é historia da criança. Isto é, como trabalhar a criança como o que ela é hoje, com perspectiva de vir, mas, ao mesmo tempo, sabendo que cada criança tem uma história peculiar e única.

Nenhuma criança chega na escola como uma tabula rasa. Cada uma chega com uma bagagem, um repertório, que é o ponto de partida. Que é algo sobre o qual a escola tem que buscar se articular.

Então, é um desafio enorme esse de tentar articular esse três tempos: a história da criança, suas demandas atuais e as perspectivas.


As Emoções

Quando ele fala em estudo das emoções, está se referindo a um tipo específico de manifestação afetiva. Portanto, as emoções se inserem num campo maior que é a afetividade.

São várias as peculiaridades das emoções, dentre elas serem manifestações afetivas que se expressam, que são visíveis para o outro e que são mais claramente identificáveis pelo próprio sujeito e têm uma variabilidade intensa e que com freqüência vêm acompanhadas de modificações no próprio funcionamento orgânico do corpo.

Para compreender os sentidos das emoções no desenvolvimento humano é necessário olhar os primórdios da vida humana, as primeiras situações, reações, do recém-nascido. Ele é desprovido de capacidades que lhe possibilitem a agir diretamente sobre o meio físico. Ele está no estado de imperícia, porque ainda não consegue pegar a mamadeira sozinho etc.

Ao mesmo tempo, que ele tem essa imperícia, do ponto de vista das condutas, que possibilitariam a ele agir diretamente sobre o meio físico. Ele é dotado de uma enorme expressividade.

Isto é, toda uma gestualidade, que no começo é disparatada, desintegrada, desarticulada, que parece sem sentido. O próprio choro, como uma manifestação emocional de uma força intensa, tem uma expressividade muito grande. Nesse sentido vemos como o bebê é eficaz, porque ele é capaz de mobilizar toda uma família, com o seu choro, por exemplo. E essa mobilização dos outros que decorre disso, explica-se segundo Wallon, pela natureza contagiosa, com a possibilidade de contágio inerente às manifestações emocionais.

Olhando a emoção, nesses seus primórdios, ele vai perceber que a função das emoções é principalmente uma função social, que, é justamente possibilitar a interação da criança com o meio social. E, nesse sentido, o primeiro meio com o qual interage a criança não é o meio físico dos objetos, mas é o meio das pessoas.

Então essa ligação profunda da criança pequena com as pessoas, com quem ela convive, sobretudo com as pessoas das quais ela depende. Isto é: a relação de dependência da criança com os parceiros mais experientes, mãe, pai, ou outro responsável, compõe também este quadro em que essas manifestações expressivas têm essa função de interação, de ligação com o outro.

Às emoções, portanto, são o primeiro recurso de interação da criança com o meio social, por isso elas têm um papel fundamental. E o que permite ao recém nascido da espécie humana se imergir no meio social e, desta forma, imerso, ter, por exemplo, acesso à linguagem. E a linguagem que é o recurso fundamental de estruturação do pensamento, de construção de si.

Mesmo quando a linguagem se consolida como recurso de interação social, as emoções continuam como um tipo de manifestação muito presente e ainda muito fundamental nas interações sociais. Porque, como disse no início, as emoções têm uma característica importante extrema "contagiosidade" entre os indivíduos. E esse traço é um traço que fica muito claro nessas situações de dinâmica de grupo, por exemplo. Quantas situações em sala de aula não podem ser melhor compreendidas e a gente ver esse fator? Darei dois exemplos.

Primeiras situações de turbulência, situações de alvoroço, que muitas vezes têm motivos muitos concretos para ocorrerem. Motivos concretos e que estão nas bases das práticas educativas, que têm que ser ajustadas. Mas outras vezes, essa situação de turbulência e alvoroço parecem não ter motivo concreto. Mas, ligado à organização da atividade, podemos entendê-las melhor recorrendo a essa idéia das emoções. Então, muitas vezes, é a excitação de uma criança, ou do próprio professor, que contagia as crianças, que contagia o professor e acaba criando algumas situações, às vezes, de muito descontrole.

Mas essa mesma "contagiosidade" das emoções também está presente nas dinâmicas de grupo de um modo muito positivo. Que é, por exemplo, aquilo que permite que o professor, quando está entusiasmado com a sua atividade, entusiasmado com aquele conhecimento, que ele quer partilhar com as crianças, consiga, por meio do seu entusiasmo, que vai refletir no tom da voz, na expressão dos olhos, na postura de seu corpo, consiga contagiar positivamente, as crianças tenderão a ficar igualmente entusiasmadas por este conhecimento.



Dimensão expressiva do movimento

Na dimensão expressiva do movimento, encontramos elementos interessantes, no sentido de podermos atentar mais como educadores para a "concretude" da criança, suas posturas corporais, gestos, que nos sinalizam questões importantes que fazem parte da criança como um todo.

Muitas vezes consideramos o movimento como algo que atrapalha. Quer dizer, é comum, em sala de aula, acharmos que para a criança aprender ela tem que estar imóvel, tem que estar paradinha, sentada etc. Se formos integrar essas questões mais teóricas acerca do movimento, e mesmo se começarmos a afinar nosso olhar sobre o movimento, veremos que é o contrário, muitas vezes é graças a essa dimensão mais expressiva do movimento, pequenos gestos, interações com os colegas etc., que a criança consegue aprender. Nesse sentido, muitas vezes, impedir a criança de se movimentar, ao invés de favorecer que ela aprenda, pode impedir que ela aprenda.

O pensamento da criança, num primeiro momento, é muito sustentado no movimento. Ela precisa se mexer de vários modos, para construir o fluxo do pensamento. Wallon vai destrinchar o complexo processo pelo qual vai se construindo na criança a capacidade de controlar seu próprio movimento. Vai mostrar como isto é difícil, como é custoso e gradual.


Aspectos fundamentais

Alguns aspectos têm que ficar bem claros.

Primeiro aspecto é essa dimensão mais expressiva do movimento como algo a ser olhado pelo educador. O educador não compreende a criança só por meio da sua produção escrita, mas também por meio de sua mobilidade, sua postura corporal, seu gesto, sua instabilidade ou apatia.

A inteligência também se apóia fortemente no ato motor.

Por exemplo, para a ilustrarmos isto, podemos nos lembrar dos primeiros faz de conta da criança, onde ela faz um gesto que representa o objeto.

Então, esse gesto que representa uma idéia, ilustra o quanto à representação mental está fortemente ligado ao movimento no início. A tendência é que, gradualmente, a inteligência, o funcionamento mental, vá se descolando do movimento, mas esse é um processo gradual e é um processo que nunca se completa totalmente. Basta cada um de nós pensarmos o quanto movemos as mãos para falar, ou o quanto pensamos, melhor ou pior, numa dada posição, num determinado movimento.


Sincretismo

Teremos um primeiro momento da inteligência infantil, que é caracterizado pelo sincretismo. Isto é, a inteligência, ela tem uma característica que o Wallon vai definir como central, como principal, que é esta de misturar muitas coisas. Sincretismo evoca isso: mistura, globalidade, confusão.

O pensamento sincrético é um pensamento, por exemplo, em que a criança não separa a qualidade da coisa. Por exemplo, uma situação que a criança tem dificuldade de aceitar. Uma criança de dois ou três anos que briga com uma outra porque ela descobre que a mãe tem o mesmo nome.

Nesta situação em que o menino briga com o outro que diz "minha mãe chama Eliana”... “E o primeiro menino diz: "minha mãe também chama Eliana!"... "E não admite que a mãe do segundo possa ter o mesmo nome que a dele. Vemos um exemplo de sincretismo, porque é como se o nome Eliana fosse colado à figura da mãe dele, logo, impossível de haver outra mãe com o mesmo nome.

São várias as misturas que o pensamento sincrético faz e que está muito relacionada ao próprio estado de fusão e de sincretismo em que ele encontra essa criança, a pessoa da criança, na fase inicial do desenvolvimento.


Pensamento categorial

Então, a direção do desenvolvimento da inteligência é de um estado de total “indiferenciação” para progressivos de diferenciação.

Esse estado que caracteriza a infância é chamado de sincretismo, ou pensamento sincrético, como Wallon vai definir, e, conforme vão se processando diferenciações fundamentais no sincretismo, a criança constrói algo que Wallon vai chamar de pensamento categorial.

O pensamento categorial que nada mais é do que a possibilidade de pensar o real por meio de categorias. Poderíamos até associar o pensamento categorial ao pensamento conceitual. Que é a característica do pensamento adulto, que é aquilo que começa a se consolidar no final da primeira infância, na idade escolar etc.

E para este desenvolvimento é fundamental a interação da criança com a cultura. Porque a cultura - no sentido dos conceitos, dos valores, dos conhecimentos construiu dos pelas gerações anteriores num dado contexto histórico social -, já operou muitas diferenciações. E é por meio da interação da criança com os produtos da cultura que ela também vai incorporando muitas dessas diferenciações e articulando isso com o seu modo próprio de pensar. Portanto, a primeira infância é muito marcada ainda pelo sincretismo.

A teoria de Wallon é muito prudente em definir um ponto terminal para o desenvolvimento da inteligência. É uma teoria muito prudente em definir um estágio final para o desenvolvimento da inteligência. Na verdade, ele não vai definir esse estágio final, ele vai dizer que as diferenciações vão ser tão mais finas conforme as possibilidades oferecidas pela cultura. Logo, não há um tipo de pensamento próprio do adulto. É o pensamento categorial, mas que permite variedades muito grandes entre adultos de culturas diversas.

Neste sentido, fica mais claro entendermos isso, se pensamos, hoje em dia, por exemplo, o acesso precoce que as crianças têm a um tipo de linguagem que no século passado ainda não existia - quando Wallon fez a teoria não existia -, que é a informática, o computador, a linguagem binária, simultaneidade, enfim, todo esse aceso da criança a linguagem da informática, provavelmente deve ter algum impacto no modo de como se desenvolve a inteligência infantil, no modo como se operam essas diferenciações do pensamento sincrético. Temos poucos estudos, é precoce sabermos qual o efeito disso. Mas é de se supor que terá efeito, e assim como a nossa época tem este elemento, outras épocas terão outras linguagens que poderão ter um impacto.

Neste sentido é uma teoria prudente e está aberta as transformações da própria cultura. Embora sejam valorizadas as conquistas do pensamento infantil na dimensão de maiores diferenciações, portanto, valorizar a construção do pensamento categorial, que é o que permite operações conceituais, elaboração de teorias etc., a perspectiva de Wallon vai também valorizar o pensamento sincrético. Quer dizer, esse pensamento próprio da criança, onde vários planos se misturam, onde qualidade e coisa aparecem coladas, onde muitas vezes temos a idéia de uma confusão, este tipo de pensamento é fundamental e vai estar sempre presente mesmo no adulto.

É fundamental, por exemplo, para as novas invenções, quer dizer, muitas vezes, essas invenções as criações novas dependem de um momento provisório do sincretismo e de confusão a partir do qual emergem novas categorias do pensamento.
Então sincretismo é algo há não ser eliminado totalmente, é algo que pode ser cultivado e que pode ser compreendido neste contexto como algo importante para as criações e para a atividade em campos, onde a conceitualização é menos importante.

Se pensarmos no campo da arte, por exemplo, o sincretismo é algo que possibilita criações muito fundamentais. Deste ponto de vista, se pensarmos o currículo escolar, à luz da teoria do Wallon, no que diz respeito à inteligência, dá para dizermos que o currículo deve valorizar a ciência, mas deve valorizar igualmente a arte.


Indivíduo

A pessoa é como se fosse a unidade na qual se articulam movimento, afetividade, inteligência, mas é ao mesmo tempo uma unidade em si. Isto é, Wallon vai estudar como se constrói na criança a consciência de si, a idéia de uma unidade subjetiva. Idéia que não é dada deste o nascimento, porque no início, a criança, é dado que, inserido neste contexto de fusão emocional, ela não se percebe como uma unidade diferenciada do outro. Ela se percebe como que fundida, diluída, colada ao outro - quando dizemos outro, falamos tanto das pessoas significativas, como das próprias condições mais concretas onde ela está inserido -, e esta consciência de si, vai se construir gradualmente por meio de processo interessantes.

Na perspectiva de Wallon, não se dirá que a criança se socializa conforme se desenvolve, dirá o contrário, que no início da vida, o estado de socialização é máximo, é tão grande que a criança é justamente confundida no outro. Portanto, o percurso de desenvolvimento é um percurso de progressiva individuação. É um percurso no qual, a criança vai tendo que se diferenciar do outro para poder construir-se como uma unidade, como uma identidade diferenciada e com certa estabilidade.

Dentro dessa idéia, desse estado máximo de socialização no inicio e de um percurso de individuação progressiva, teremos que, na construção da pessoa, a relação com o outro é aspecto fundamental.

Nessa relação com o outro podemos identificar um duplo movimento. Um movimento que é, por um lado, de incorporação do outro para constituição de si - quando falamos de incorporação do outro, estamos nos referindo, por exemplo, às condutas de imitação. A conduta de imitação que é algo muito presente na criança em várias fases da vida e que se vê que a imitação é dirigido às pessoas que lhe são significativas. Nesta imitação, o que vemos? A criança incorporar o outro e; por meio desta incorporação, é como se ela estivesse alargando as fronteiras do seu eu.

Só que, ao lado deste movimento de imitação, encontraremos o movimento com direção oposta, que é o movimento de expulsão do outro, que se concretiza nas condutas de oposição, que é quando a criança nega o outro, em suas propostas, em seus convites, em suas opiniões e atitudes. E a oposição ao outro, uma conduta sempre recorrente, no sentido de favorecer a diferenciação, mas uma conduta que vai aparecer em algumas fases do desenvolvimento psíquico social, de modo concentrado.

São duas fases nas quais a oposição ao outro aparece de modo concentrado.

Uma fase no início da infância, que WaIlon situará por volta dos três anos, e que é a fase do personalismo. A fase do personalismo é justamente onde a criança nega sistematicamente o outro, opõe-se sistematicamente ao outro: recusa ajuda, briga pela posse de objetos e afirma muito fortemente a independência do seu eu.

E uma outra fase, onde a oposição aparece de modo concentrado e com um papel fundamental na construção da pessoa, é a adolescência. Quer dizer, na adolescência também, a oposição sistemática do adolescente ao adulto, por exemplo, é algo que revela essa direção de se diferenciar da do outro, ao dizer não as opiniões, as posições do adulto, é o modo do adolescente estar dizendo sim as suas próprias posições, atitudes, convicções e por esse movimento estar se constituindo.

Tal como ocorre no desenvolvimento da inteligência, podemos identificar no desenvolvimento da pessoa a direção de uma progressiva diferenciação. Essa diferenciação também nunca é total, isto é, o outro é sempre uma dimensão presente para o eu, de modos diferentes, evidentemente, conforme a pessoa e conforme a situação. Quer dizer, isso vai ser interessante, WaIlon mostrar que mesmo no adulto há situações em que o próprio adulto se mistura mais ao outro perdendo a nitidez dos contornos •do seu próprio eu, Por exemplo, situações de cansaço ou situações de enamoramento.

Muitas vezes o adulto diante de oposições das crianças - estamos pensando o adulto o educador, professor -, que são os alunos, sente se muito incomodado, muitas vezes desafiado, desrespeitado etc. É claro que por trás das oposições das crianças, múltiplos são os significados possíveis, e temos que olhar caso por caso, mas como mais um recurso para compreender essas oposições, é interessante resgatarmos essa idéia da oposição ao outro como elemento fundamental para constituição de si mesmo.


O papel da escola

A criança não é o resultado linear do meio no qual ela vive.
Primeiro, porque Wallon vai enfatizar a idéia de que a criança vive em vários meios, meios muitas vezes conflitantes entre si. E que a sua construção vai se dar justamente na relação com esses vários meios e relação de escolha e priorização que vão definir a construção do sujeito.

Quando falamos vários meios, estamos falando, por exemplo, do meio familiar, que é o primeiro contexto social com o qual a criança interage; do meio escolar, que é um outro contexto fundamental de educação e desenvolvimento da.criança. Estamos falando também de meios não tão concretos, como, por exemplo, o meio dos valores que podem ser diversos. A criança pode ter acesso aos valores da família, aos valores de uma outra comunidade, na escola serem outros valores etc.

Essa idéia e importante porque quebra uma idéia muito fortemente presente na escola, de que a criança é um resultado linear do seu meio familiar. Essa idéia está presente, por exemplo, em falas freqüentes no contexto escolar que atribuem à família a responsabilidade pela conduta da criança na escola. Por exemplo, a criança com problemas de comportamento, de aprendizagem, é comum na escola explicarmos isso por uma suposta família desestruturada na qual a criança estaria inserida. Esta fala, torna-se completamente descabida se pensamos neste princípio. Por quê? É evidente que o contexto familiar da criança interfere fortemente e a criança se constitui muito fortemente cursando a sua historia de vida, das suas relações familiares. No entanto, a escola, ao se constituir como um outro contexto de desenvolvimento, pode muito bem criar outras relações para a criança que diferencie o tipo de relação que ela tem na família. E a criança, nas suas diferentes idades, logo aprende que agir diferente em função de contexto. Vemos isso mesmo na família, que muitas vezes à criança se dirige ao pai de um jeito e à mãe de outro jeito. Quer dizer, na escola é. A mesma coisa! A escola pode muito bem construir relações com as crianças que tenha a ver com aquele contexto e não só imaginar que a criança vai reproduzir na escola relações que ela tem na família. É claro que ela traz isso, mas ela não se limita a isso! Porque faz parte dos potencias do sujeito justamente articular-se diferentemente aos vários contextos aos quais se insere.

Logo, isso quebra a suposição da escola de que para ter êxito em sua escalada educativa, ela precisa ter uma total sintonia com a educação familiar. Não, muitas vezes justamente a escola pode ser uma alternativa à educação familiar, e a criança lidar com isso! É claro que estamos falando de modo generalizado, têm casos de mais dificuldades. Mas como princípio, a escola tem esse potencial.

Isto é, de possibilitar para a criança um outro contexto e, neste outro contexto, possibilitar que a criança ocupe lugares diferentes dos lugares que ela ocupa na situação familiar.

Por exemplo, na família, determinada criança é o segundo filho. E um segundo filho que tem um determinado tipo de relação com o pai, com a mãe, com os irmãos. Na escola, essa mesma criança pode ser boa em matemática, pode ser ruim em português, pode gostar' de ficar com determinados amigos numa situação x, estar com outros amigos numa situação y. A escola, potencialmente, oferece lugares diferenciados para a criança ocupar.

E este potencial da escola é algo muito rico! É comum na escola também colocar a criança em um local único e cristalizado e, portanto, desperdiçar essa possibilidade inerente ao seu contexto que é uma diversificação de maior de lugares, o que evidentemente possibilita o enriquecimento maior da criança. 

Diante de uma teoria tão complexa, apenas pincelamos alguns aspectos que apontam para o interesse e a atualidade dessa perspectiva teórica, longe de esgotá-las. A idéia é que cada um possa ir se aprofundando aos aspectos que interessarem mais.

O que é importante destacar talvez, para concluirmos é a convergência desse olhar teórico com preocupações muito atuais, que é como fazermos uma educação para todos - aí a dimensão política da educação -, educação para todo mundo, independente da sua origem social, lugar de nascimento etc. e, ao mesmo tempo, uma educação para cada um. Que dizer, que a escola consiga dar conta de uma educação que responda a um direito  social, portanto a uma demanda social de uma sociedade que se quer mais democrática, mais justa e, ao mesmo tempo, uma educação escolar que faça sentido para cada um dos sujeitos que tenham acesso à escola.







3.3 Burrhus Frederic Skinner


Biografia

Burrhus Frederic Skinner nasceu na Pensilvânia, em 1904, onde viveu uma infância estável e plena de afeto, porém com rigorosa disciplina. Após uma frustrada carreira como escritor e jornalista, fez doutorado em Psicologia na Universidade de Harvard.

Foi o mais famoso representante do Behaviorismo, corrente de Psicologia fundada pelo também americano John Watson, que dominou o pensamento e a prática da Psicologia em escolas e consultórios até os anos 50 e hoje compartilha espaço com outras abordagens da Psicologia.

No início de sua carreira Skinner dedicou-se a experiências com ratos e pombos, paralelamente à produção de livros. Criou pequenos ambientes fechados, conhecidos como "Caixas de Skinner", onde observava os animais de laboratório e suas reações aos estímulos. Notabilizou-se como pesquisador original, desenvolvendo o conceito chave de seu pensamento, o "Condicionamento Operante", um mecanismo que premia uma determinada resposta de um indivíduo até ele ficar condicionado a associar a necessidade à ação.

Em relação à educação, Skinner pregou a eficiência do reforço positivo, sendo contrário a punições e esquemas repressivos. Skinner rejeitou noções como a do livre arbítrio e defendeu que todo comportamento é determinado pelo ambiente, embora a relação do indivíduo com o meio seja de interação e não passiva.

Foi autor de trabalhos controversos, nos quais defende o uso de técnicas psicológicas para modificação do comportamento, com o intuito de melhorar a sociedade e tornar o homem mais feliz.

Faleceu em 1990.


Introdução

Skinner, na verdade, traz uma concepção de homem, uma concepção de mundo, que quase inverte com a lógica tradicional da Psicologia até o momento em que ele se apresenta.

Skinner foi um dos três pensadores mais citados do Século XX, ao lado Freud e Piaget.

Uma das razões pelas quais ele é bastante citado é porque ele foi bastante mal compreendido. Ele foi muito confundido com Watson. E Watson já teve um grande impacto, porque ele propunha um estudo científico do homem. Enquanto o homem era considerado um ser divino, centro do universo, do mundo, da natureza, impossível de ser estudado cientificamente, vem Watson, antes de Skinner, e propõe tornar o comportamento humano um objeto de estudo científico.

E Skinner pega este gancho de Watson. Então ele é, erroneamente, confundido com Watson.  O grande erro de confusão é que Watson, ao propor este estudo científico, diz que só estudará o que for observável, não se interessando por mais nada que não fosse observável. Então, ele reduziu o homem e criou a "Psicologia SR". Watson, estímulo-resposta.
Então aquela imagem de que Skinner propunha um modelo de homem autômato, que só reage aos estímulos do ambiente, que só responde ao ambiente, que é a Psicologia SR, não é a proposta de Skinner é a de Watson. Skinner, ao contrário, parte do objetivo de Watson, que é estudar cientificamente o homem, mas concebe um homem como um ser em constante construção de sua história, um ser único que não reage ao mundo, mas age sobre ele, o modifica e é por ele modificado.

O grande erro, a grande rejeição a Skinner, embora ele seja o psicólogo mais citado do Século XX, ele é muito mal compreendido, porque as pessoas, num primeiro momento, o identificam com Watson, com a "Psicologia SR", com a "Psicologia dos Ratos", com essa "Psicologia do condicionamento respondente" - o homem é condicionado, o homem é como um rato, e não lêem todo o resto e esquecem de ver a "virada de mesa" que Skinner faz em relação a Watson. Ele diz que o homem não é - o que Watson propõe -, como um ser que reage aos estímulos do meio ambiente e só nas partes observáveis. Ele diz que o homem modifica o mundo e é por ele modificado, porque ele é um ser em constante construção, ele é um ser único. Ele não reage só ao mundo, ele não é um autômato, produz comportamento, comporta-se e atua, modifica e é pelo mundo modificado.

Um dos problemas, que temos que reconhecer, é que ele começou estudando um ser "muito querido" chamado rato, muito inferior ao ser humano., Mas, por quê? Porque ele tinha uma preocupação, tal como Watson, de fazer um estudo cientifico do homem. E, para isso, usou o raciocínio da analogia. Tentou verificar, através de um ser muito inferior, que princípios de comportamento este ser, infra-humano, poderia ser sensíveis, poderia ser demonstrado. E vamos verificar se estes princípios do comportamento, demonstrados com um ser pequeno, podem ser uma amostra, podem ser um modelo do que ocorre com alguns comportamentos do homem. Foi aí que Skinner, seguindo uma tradição de estudos científicos, fez estudos de laboratório com rato, onde ele descobre o princípio do "Reforçamento Positivo".


Reforçamento positivo

Um princípio que é importante que seja bem entendido e bem explicado, que é aplicável não só ao homem, mas a qualquer ser vivente no planeta terra. Nós somos, enquanto seres vivos, sensíveis ao reforçamento. O que quer dizer isto? Nós somos sensíveis às conseqüências do nosso comportamento. Atuamos, agimos e, a depender do que ocorre depois da nossa ação, voltaremos a agir da forma como fizemos, ou não.

De onde Skinner tirou isto? Obviamente não foi do rato. Obviamente ele já tinha várias idéias concebidas sobre o homem, só que estudou cientificamente e demonstrou inúmeros princípios, durante vinte a trinta anos. Foi quando as pesquisas com os seres humanos começaram, na "carona" dessa lógica de estudar cientificamente e os princípios do reforçamento positivo, e inúmeros outros, foram igualmente demonstrados com o homem.

As pessoas, acostumadas com a tradição judaico-cristã, se sentem ofendidas, porque é uma perspectiva Darwinista. Uma perspectiva de que eu, ser humano, sou de alguma forma continuidade de outros seres inferiores. Houve uma rejeição quase que religiosa ao Behaviorismo, porque não podemos ser comparados a um animal muito inferior, somos divinos. E Skinner desmistifica isso. Ele não diz que o ser humano é um rato, muito pelo contrário, o ser humano tem uma complexidade ímpar, reitera isto inúmeras vezes, o ser humano é único, em constante construção da sua história. Ele tem um livro, que é o seu favorito, que é um livro sobre linguagem, que se chama "Comportamento Verbal", onde ele diz que este comportamento é eminentemente humano. Aí ele vai discorrer sobre toda a complexidade, percorre a literatura, percorre o humor, todas as complexidades da nossa linguagem, as complexidades do escrever, do ler, do comentar, do romancear, e isso você não encontra em nenhum outro ser a não ser o homem.

Skinner morreu em 1990. Publicou sua última obra, chamada "Questões Recentes do Behaviorismo", onde fala de utopia, de amor, de Mitologia Grega. Uma obra de um homem que começa em 1938, com ratos, e termina com linguagem, com amor, corp utopia, não pode ser reduzida ao que ele publicou em 38.

Ao fazer os estudos iniciais, é que há uma diferença de quantidade e não de qualidade, no sentido que não somos seres alienígenas e que têm princípios de comportamentos radicalmente diferentes a outros seres. Somos sensíveis ao reforçamento positivo, adaptamo-nos à comunidade, preocupamo-nos com a sobrevivência etc.


O ser humano

Para Skinner o ser humano é produto de três histórias. A história Filogenética, que é a história da sua espécie. Portanto, muito do que faz é determinado pela Filogênese, pela espécie a que pertence. A Ontogenética, que é a história de vida individual, de cada um. E a Cultura, Estes são os três determinantes.

Ninguém pode acusar Skinner de ser reducionista, porque ele está o tempo inteiro, falando que somos seres complexos, que aquilo que fazemos hoje é determinado por nossa Filogênese, o que somos enquanto espécie. Somos incapazes de voar, por mais que nosso professor, nosso educador, nos ensine a voar, literal ou subjetivamente, chamais teremos asas, quer dizer, não-somos ave. A Ontogênese, que é como construímos nossas vidas, nossas relações com nossos pais e mães, com os professores, com os "amiguinhos" da infância. Nossa Ontogênese. E a Cultura.

A Cultura envolve nossas práticas culturais, que nos são transmitidas através do comportamento verbal ou linguagem.

A partir dessa concepção, Skinner tenta explicar como essas histórias são construídas. Aí ele cria o "modelo de seleção pelas conseqüências". Começam os primeiros princípios.

“O que fazemos é selecionado pelas conseqüências de nossa ação”. Como mostrou isto?  Começa nos estudos de laboratório, depois evolui do Behaviorismo para o estudo com crianças, com crianças com atraso de desenvolvimento, com adultos normais, enfim, com todas as dimensões, com todos os grupos étnicos, etários e de deficientes.

O grande princípio descoberto, o primeiro, foi o do "Reforçamento Positivo". O que é? "É uma conseqüência específica que aumenta a probabilidade futura da ação que a precedeu". Por exemplo, se pedimos água para alguém e a pessoa lhe dá água, e estávamos privados de água, a tomamos e ela mata nossa sede, tenderemos, no futuro, a pedirmos água de novo para alguém da sua cultura, porque o nosso comportamento foi reforçado positivamente. Ou seja, ele teve uma conseqüência que nos foi, de alguma forma, agradável, que atendeu às nossas necessidades orgânicas - de acordo com nosso exemplo, e isto aumenta a probabilidade futura de que assim nos comportemos, Aqui tem um aspecto importante. Nem tudo que é um reforçador positivo é prazeroso.

Podemos, por exemplo, trabalhar feitos loucos para recebermos nosso salário no final do mês, ainda que nosso trabalho seja desagradável.

A ciência de Skinner, que é chamada "Ciência do Comportamento Humano", propõe-se a mostrar o que ocorre. Não necessariamente tem um cunho ideológico neste ocorrer. Skinner é um defensor dos princípios de reforçamento positivo versus os da punição.

Os de punição, descobrimos, é um tipo de conseqüência - as conseqüências punitivas, que chamamos "conseqüências aversivas que decresce a probabilidade futura da resposta que a antecedeu". E, pior, geram respostas emocionais colaterais, ansiedade, descargas de adrenalina, tensão, e são, lamentavelmente, usados na educação.

Não é simplesmente apresentarmos uma conseqüência que aumenta a probabilidade da sua ação que foi a descoberta, mas: como fazer? O que é reforçador positivo para um pode não ser para outro. A descoberta de que o ser humano é um ser individual que tem seus próprios ritmos, suas próprias características. Então, embora tenhamos descoberto princípios comuns, a Ontogênese de cada um é individual.

Por exemplo, apertarmos a bochecha de uma criança e dizermos "ai que lindo!", podemos estar sobre a hipótese de que aquilo é agradável para a criança, que aquilo vai aumentar a probabilidade de que ela se dirija a nós, ou que de nós se aproxime, mas não necessariamente. O que é reforçador positivo para um pode ser aversivo para o outro, pode ser punitivo para o outro. Agora, a grande "sacada" é que somos sensíveis a um reforçamento positivo e é isso que nos move.

Dito numa linguagem leiga, Skinner descobriu que o homem é movido pela satisfação, pelo prazer e pelas conseqüências de suas ações. Se elas forem punitivas, ele pára de fazer o que estava fazendo, até chegar numa supressão, que chamamos "Supressão do Responder", que é o que conhecemos como repressão. No contexto escolar é o que se conhece como evasão escolar.

Uma criança que nunca mais vai à escola, quando analisamos o que aconteceu, ela teve uma trajetória de conseqüências aversivas e punitivas, que decresceram todo o repertório comportamental dela, a ponto dele chegar a zero e ela dizer que nunca mais voltaria àquela escola. Uma criança que se mantém indo à escola, que sorri quando está lá, que brinca e faz perguntas para um professor, isto indica que aquela escola tem, no arranjo de suas contingências - que é um termo técnico - o reforçamento positivo ocorrendo ali. Contingências de reforçamento são uma das lentes do Behaviorismo, diríamos mais, é um instrumental de análise.

Behaviorista Skinneriano, ao contrário de Watson, não olha só para os estímulos e para as respostas, mas para o conjunto de respostas, ou de ações, para as conseqüências que estas ações tiveram e estas díades - o responder e as conseqüências - não ocorrem num vazio. Mas num contexto. Então, o Behaviorista Skinneriano olha para o contexto, que são os estímulos antecedentes, para o responder - é um termo técnico - que são as ações, e para as conseqüências dessas ações, o que chamamos de "Contingências Tríplices". O analista de comportamento - que é um nome moderno e atual para os Behavioristas Skinnerianos - sempre olha para o mundo a partir dessa lente, das contingências de reforçamento.


Aprender

A aprendizagem é o grande foco do Behaviorismo Skinneriano. Ele tem um grande livro, chamado "Tecnologia do Ensino", onde diz que uma das grandes descobertas da Ciência do Comportamento foram os princípios de aprendizagem, os princípios de comportamento que podem explicar o aprender. O que ele vai dizer é que, dadas as condições adequadas, todo ser aprende. Não há aluno problema, não há professor problema, há uma relação professor-aluno, há uma relação entre as condições de ensino, as características do aluno e as conseqüências arranjadas por este ensino que estão inadequadas, que são problemáticas.

O objeto de estudo de Skinner é relacional. Ele diz que o aprender não é o aprender “do aluno, é um aprender que está relacionado com as condições de ensino e com o manejo de contingências”. Define que "ensinar é arranjar contingências de reforçamento".

Diz, por exemplo, que um ser para aprender a ler vai precisar de condições contextuais, que são as condições facilitadoras, para que este ler ocorra e possa ser reforçado positivamente, possa ser incentivado e possa ter conseqüências naturais.

Aqui há algo importantíssimo, é um grande aspecto. "O ideal do aprender é que o ser aprenda e tenha conseqüências naturais deste aprender". Aprendemos a ler, somos alfabetizados, quando lemos uma poesia e temos um imenso prazer em lê-la em voz alta e imaginamos o que lemos, dissemos que temos uma habilidade cuja conseqüência é natural. É o prazer da informação, o prazer de se ouvir, as relações entre as palavras, relações com as histórias de nossas vidas, é o que chamamos de conseqüências naturais. O ideal da educação é que ensinemos habilidades cujas conseqüências sejam naturais. Porque a hora que ás conseqüências naturais ocorrerem, e forem positivas, elas se encarregarão de naturalmente manter aquele comportamento.

Como o professor faz isto? Essa é a grande contribuição? Como professor, propicia condições facilitadoras para o aprender, fornecendo arranjos de ensino. Uma das descobertas de Skinner foi a "Modelagem". O que é Modelagem? São aproximações sucessivas ao comportamento final desejado. Por exemplo, queremos que uma criança leia uma poesia de Carlos Drumonnd de Andrade, sem silabar, com compreensão e prazer. Esse é meu objetivo final. Mas, para que comecemos isso, o que precisamos fazer? Arranjar estímulos, que são os códigos adequados da língua, as letras, as sílabas, as sentenças, as frases, de um modo gradual, para que, diante de cada etapa, o responder possa ocorrer sem grandes dificuldades. Têm pesquisas em nossa área demonstrando que o aprendizado pelo ensaio e erro é extremamente aversivo.


Errar

O errar, ao contrário do que outras abordagens defendem, pode ser importante para o educador, porque na hora que o aluno erra, o educador está percebendo o que ele não aprendeu e o que ele, educador, precisa reiterar. Mas para o aluno, para o aprendiz, errar é extremamente punitivo, aversivo. E o ensino com muitos erros, com muita tentativa e erro, de "alta complexidade", gera conseqüências aversivas e, ao fazer isto, diminui a probabilidade das respostas.

Então, é o contrário do que a Escola Clássica pregava. A Escola Clássica em termos, porque há muitas escolas, hoje, de São Paulo, que, ao entrarmos, lemos: "Pelo caminho das pedras é que se atinge o estrelato". Novamente, nossa tradição judaica cristã valoriza o sacrifício, a dor, a penalidade, como algo que tenha mérito. Skinner inverte todo este raciocínio.

Skinner diz que "o aprender tem que ser suave, gostoso, agradável e gradual". Se quisermos que um ser aprenda a ler, no exemplo que estamos usando, vamos gradualmente, como se fosse uma brincadeira. Uma criança que é um ser que tem condições de começar a ler, em torno de seus cinco, seis anos, no momento em que ela está se expondo aos códigos arbitrários da língua, O que precisamos levar em conta? Que aquele código  arbitrário, por exemplo, a letra a, que só  tem sentido para nós, que somos alfabetizados, mas não para aquela criança, qual é a função disso na vida dela? Na hora que ela decifra aquele código, ela terá acesso a inúmeras informações que ela não tem hoje. Isso é relevante para ela? Essa é uma das grandes perguntas que um Benaviorista faz: "O que quero ensinar é relevante para meu aluno?" Se é relevante para a cultura, para que ele sobreviva, qual a forma de fazer? Gradual, que obtenha sempre conseqüências naturais e reforçadores positivos.

O que, tecnicamente, tem sido descoberto? Que há alguns caminhos que são mais fáceis que outros que produzem conseqüências reforçadoras positivas e alguns que produzem punição.

Um dos caminhos que produzem as conseqüências reforçadoras?-s positivas é ir gradual.

Pode-se perguntar: "Quão gradual, como definir a rapidez do ensino, o ritmo?" Quem define é o aluno. Propomos a ele uma atividade inicial, experimentamos.

Skinner tem uma grande frase que diz: "Nunca tenha verdades eternas. Experimente sempre". Esta é uma de suas frases famosas. Ele é um pesquisador extremamente aberto às verdades descobertas pelo experimentar.

O que não pode, e aqui fazemos um parêntese, é concebermos que este aprender depende única e exclusivamente do ser que aprende e que depende, única e exclusivamente, de uma estrutura de mente. Skinner abandona esta concepção, negligencia, rejeita, condena e critica.

Ele diz que a concepção de que o ser que aprende é o único responsável por seu aprender, que ele tem uma estrutura que o responsabiliza, é um conceito rejeitado e denominado por ele como "Rejeição ao Mentalismo", que é uma concepção clássica na Psicologia, que diz que temos uma estrutura de mente que é a responsável por aquilo que fazemos. Skinner vai inverter esta concepção e dizer que somos seres que têm uma Filogênese, temos um cérebro, uma bioquímica, um organismo, mas nosso aprender dependerá da interface entre nossa Filogênese e as condições de ensino propiciadas pelo professor, pela escola. Se essas condições forem inadequadas, no sentido de que elas não são graduais, de que elas propiciam conseqüências aversivas, este ser não aprenderá. E não aprenderá não porque ele seja incapaz, mas porque as condições são inadequadas.


Avaliação

A avaliação assumiu um caráter em nossa escola eminentemente punitivo. Para o analista do comportamento, para Skinner, avaliar o aluno significa só verificar se aquilo que pensamos que ensinamos, ensinamos de fato. É simplesmente isto. É mais uma etapa. E, na concepção do ser que aprende, naquela concepção de que o ser que aprende é um ser único, em constante construção de seu aprender.

- Brincamos até que Skinner é construtivista, neste aspecto, porque ele entende que estamos o tempo inteiro construindo nossos repertórios, ad infinitum.
- Como o ser é único e em constante construção do seu aprender e os ritmos são individuais, esta avaliação deveria ser contínua, porque um pode aprender num ritmo diferente do outro.

Quem disse que o aprender se dá em anos, que temos um ano para aprender a ler, outro para aprender a fazer as operações fundamentais da Matemática? Isto, quem estabeleceu foram códigos arbitrários das culturas.

Skinner, junto com o professor Fred Keller, criou, a partir dos princípios comportamentais, o ensino individualizado. Aliás, Skinner foi um dos precursores do computador na educação.

Porque o ensino individualizado pode ser favorecido pelo computador. Então, quando acompanhamos individualmente nosso aluno, quando o vemos aprender passo a passo, a avaliação é praticamente natural. Porque estamos ali, trabalhando, arranjando as condições de sala de aula, propondo atividades em que damos o feedback, corrigimos, e isto não é avaliação, estamos no calor do ensino, e, logo em seguida, damos uma situação a ele, análoga a que trabalhamos, e medimos seu desempenho sem, necessariamente, ter a sua correção, seu feedback imediato.

Então, a avaliação nada mais é para o Behaviorismo do que uma etapa do processo de ensinar e de aprender, onde verificamos do modo mais natural possível, do modo menos aversivo possível, se aquilo que achamos ter ensinado de fato o aluno aprendeu.

A palavra escola, a origem do termo é “o lugar onde se conversa”. Skinner diz que as escolas do futuro serão muito diferentes do que elas são hoje. Ao invés de lugares cinzentos, sombrios, serão lugares agradáveis, com um cheiro bom, onde terão coisas bonitas, como uma loja, como lugares bonitos que visitamos. Serão lugares onde as pessoas não serão avaliadas, porque as pessoas não gostam de conversar quando estão sendo avaliadas. Ele retira da educação aquela avaliação com conotação aversiva, e com a conotação de que nós estamos julgando o outro. Retira todo esse status de onipotência da avaliação, como sendo um direito do professor e um recurso de poder, retira isto, e a coloca como um momento técnico, que podemos, ou não, precisar de uma forma mais formal. Se tivermos uma condição de ensino e uma infra-estrutura para que possamos acompanhar nossos alunos individualmente, seja com a ajuda de monitores ou computadores, a avaliação será um momento natural, onde a diferença entre ela e o ensino, é simplesmente a diferença da nossa presença como professores, corrigindo e dando um feedback imediato. A avaliação é um momento onde o aluno se comporta sozinho, sem o nosso feedback imediato, este ocorrerá depois, para dizer-lhe se ele acertou ou errou. Enquanto estamos ensinando, a cada comportamento dele dissemos “não é assim”, “é desta forma”, quer dizer, o corrigimos e modelamos.  A avaliação é o momento que retiramos isso para testarmos como ele é sozinho. É só isto, mais uma etapa.

Na questão da avaliação, essa retirada do aspecto punitivo é porque a punição gera respostas emocionais, colaterais, extremamente malévolas ao homem. A resposta é de ansiedade, de apreensão, de fobia, de pânico, que são incompatíveis com o aprender. O aprender tem que ser numa atmosfera extremamente agradável, como esse local que estamos, gostoso, cheio de plantas, cheiros bons, atividades envolventes. A avaliação perde, na análise de comportamento, aquele caráter ideológico de poder. E o professor, ao avaliar, avalia o todo.

Temos um problema quando dizemos isto. Nós não avaliamos só o observável. O problema que temos é: como medimos qual o nosso acesso? Como professores, diante de vinte, trinta, quarenta alunos é difícil percebermos que o nosso aluno "Alfredo", os pais se separaram ontem, estava chorando durante a avaliação. Se tivermos menos alunos e os acompanhamos, perceberemos que o "Alfredo", sempre sorridente, justamente no dia em que o colocamos numa situação de teste está tenso e choroso. Se percebermos um momento de crise, obviamente levaremos em conta todos esses aspectos, uma vez que tivemos algum recurso observável - as duas lágrimas caindo, algumas dicas de tensão. Sempre precisamos do observável. Mas o analista de comportamento não se atém a ele, estuda o que chamamos de "Eventos Encobertos", são os pensamentos, as próprias emoções que ocorrem junto. O analista de comportamento está sempre atento.

Um analista sempre pergunta a um aprendiz: "Você errou esta questão, não errou? O que você pensou quando respondeu isto?" Onde o Behaviorista está indo agora? Está indo para um evento interno, que é pensamento. Isto importa para um analista de comportamento, importa para um Behaviorista Sknneriano, sim. E isto é um grande escândalo, quando as pessoas sabem. O educador desconhece isto de um modo geral. Ele diz: "Não, Skinner só estuda o observável e o ser humano é muito mais do que o observável. Quero estudar este ser complexo". Ele acha que Skinner não se propõe a isto.

Um bom analista de comportamento quando vai avaliar um aluno, diz o seguinte para o educador: "Tente buscar a maior amostra de repertórios comportamentais que você puder. Não pegue só o escrito, mas o oral. Não pegue só o escrito e oral, mas as tarefas. Não só as tarefas, pegue como dados o comportamento de estudar em casa, os materiais que usa em sala de aula, as idéias, concepções, escritas espontâneas". A escola é muito verbal, só mede a escrita e a fala e temos inúmeras outras formas de medir um conhecimento: pelo desenho, pela criação de um texto espontâneo etc.

Achamos, então, que, basicamente há uma "virada de mesa", onde podemos dizer que Skinner é extremamente pós-moderno em sua concepção de ensino. Ele foi um grande progressista. Diríamos que ele foi um sábio trinta anos na frente do nosso tempo.


Sistema individualizado

Uma das grandes contribuições de Skinner, junto com seu grande companheiro Fred Keller, foi a proposta de que as melhores condições de ensino são aquelas que respeitam o ritmo individual do aluno, que é o chamado Sistema Individualizado. Esse sistema tem algumas importantes características a nosso ver, porque são coadunastes com todos os princípios Skinnerianos.

Primeira, a questão de que cada aluno tem em seu aprendizado no seu próprio ritmo.

Segunda característica: divida o curso em pequenas unidades, das mais simples às mais complexas.

Só deixe que o aluno passe para a seguinte na medida em que ele atingir completamente os objetivos da anterior. É uma perspectiva de que o objetivo do nosso ensino é o 100%. Se o aluno ainda não atingiu o objetivo, não tem porque ele passar adiante. E essa passagem é natural.

Atingiu 100% na pequena primeira unidade, ele passa para a seguinte.

Então, divida o curso em pequenas unidades; o aluno passa para a seguinte só na hora que atinge os critérios da anterior...

A questão da nota. Se o aluno passou, ele tem 10. Um princípio que está por trás disto é: dê nota 10 a todos os seus alunos, porque nosso objetivo como professores não é separar o joio do trigo, ou classificar as pessoas, mas ensinar. Ou ensinamos, ou não ensinamos. Se ensinamos um pouco, é porque o aluno ainda não atingiu o objetivo, então ele fica. Dê nota 10 a todos os seus alunos.

Outra característica: diga aos alunos o que se espera deles. Os objetivos educacionais, numa perspectiva do ensino individualizado, não são apenas para os professores, não é algo escondido que só os professores saibam só o diretor da escola sabe. o objetivo não é uma coisa que tenha uma importância administrativa, ele tem importância didático-pedagógica-educacional. O aluno sabe o que se espera dele. O ensino não fica uma "caixinha de surpresas".

Uma outra concepção do ensino individualizado: o mito da aula expositiva. A aula expositiva é uma das piores condições de ensino. É uma situação em que o professor se expõe. É um show, uma palestra, mas não temos a menor garantia de que o aluno está aprendendo enquanto falamos. É incrível, é uma das piores condições de ensino. Já fizemos várias pesquisas mostrando que a situação de grupo, de programas individualizados via computador, ou via livros, ensina muito mais do que um professor falando. Uma das concepções do ensino individualizado: dê aulas expositivas de vez em quando. Não exija freqüência, os alunos podem optar por se preparar melhor para uma outra atividade. Dê aulas expositivas, divirta-se, mas não espere uma grande platéia.

Isso é uma inversão total do que temos em relação à escola, que é o professor num tablado, falando para trinta ou quarenta alunos, a maior parte do tempo. Na concepção do ensino individualizado o aluno trabalha a maior parte do tempo, num material cuidadosamente planejado por um professor que gastou inúmeras horas programando aquilo. Ao contrário daquele professor que rapidamente prepara o seu "roteirinho", vai lá, dá um show de cinqüenta minutos e o aluno depois tem que se virar sozinho para estudar para a prova.

É uma inversão total. Uma inversão baseada em quê? Na descoberta dos princípios. Sabe-se que se aprende melhor quando fazemos, quando pensamos, quando escrevemos, discutimos, falamos, vemos, manipulamos, do que quando ouvimos simplesmente. No ensino individualizado as aulas expositivas são raras, mas sabemos que o aluno gosta de ouvir o professor, que ele precisa deste momento o professor é o maestro. Outra característica do ensino individualizado: estejamos sempre disponíveis. Sempre, em todos os dias de aula estejamos ali, nós e nossos monitores, porque os alunos podem precisar.

O ensino individualizado requer um material escrito, planejado, situações de aplicação planejadas com muito cuidado, e não dispensa a presença do professor. Porque o ser humano é um ser social e gosta de aprender ao lado do outro, e gosta de aprender ao lado daquele que está preparado para ensinar.

O ensino individualizado foi criado na década de 70, teve um boom, foi aplicado no mundo todo. No Brasil, atualmente, temos algumas universidades revivendo; temos algumas adaptações no ensino à distância; os computadores são os grandes aliados da viabilidade deste ensino. Mas há um grande perigo. O perigo de se entender que não se precisa mais do professor, que basta um aluno e uma tela de computador. Não é isto. No ensino individualizado, como acabamos de dizer, o professor tem que estar presente sempre.


A escola ideal

Para Skinner, a escola ideal é aquela em que o aluno é atraído por ela não por receio e medo de ficar longe dela, mas porque nela ele encontra as mais fortes razões para se manter aprendendo, mesmo depois da escola.

Para Skinner, a educação é a chave de uma sociedade, porque é ela que vai fazer com que o aprendiz busque e aprenda habilidades que o tornem independente, crítico, consciente e autônomo.

E que, depois da escola, institucionalizado, se mantenha um ser que busque as informações ao longo de sua vida, que é a grande estratégia de sobrevivência e de uma vida em ascensão, de felicidade e sucesso profissional.

Uma grande contribuição de Skinner foi a concepção da forca que a educação tem. Ele concebe que nós, educadores, podemos compor o que ele Chama de “Quarto Poder”, “Quarta Força", ou "Quarto Estado". Porque ele considera que os três existentes, que seria a Religião, a Economia e a Política têm interesses que dizem respeito à sua sobrevivência imediata, e não à sobrevivência da espécie. E que são apenas os educadores, intelectuais e cientistas que, por conhecerem a ciência do comportamento humano, por conhecerem o que move este ser humano, é que serão capazes de trabalhar para a sobrevivência e manutenção da espécie humana.



3.5 Carl Ranson Rogers


Num momento de desespero: "não conseguimos, uma situação dificílima, nunca lidamos com crianças com esse nível de agressividade...” Voltamos a ler Rogers. E começamos a pôr em prática, até do nosso jeito.

Num dado momento, há uma festa na escola e o pessoal, do quarto ano, do antigo quarto ano primário, então a quinta série, resolveu fazer uma música para a escola. Nesse momento a escola já funcionava normalmente, as crises, a violência, a agressividade, tinha cedido. A letra nos surpreende, ela traduzia muito da abordagem. E foi assim, eles foram escrevendo juntos, foi um produto do grupo. Era uma coisa assim:

"Essa escola é tão pequena, mas parece tão grande, de tanto que a gente pode fazer tanta coisa que a gente pode fazer. Aqui as professoras explicam mais de vinte vezes sem fazer 'cara'. Quando tem que ralar que está errado, rala mesmo, mas também a gente pode falar quando elas estão erradas, pode conversar. Quando a gente acaba a lição antes, vai ao Clubinho da Criatividade e pode bolar um monte de coisas. Um não fica cutucando o outro. Esta escola deixou uma marca em mim, a gente quer deixar uma marca para ela: o nosso hino."

Conversando, posteriormente, com ele, ralamos que tínhamos uma preocupação muito grande se estávamos fazendo certo. E ele disse que nunca havia trabalhado com criança pequena e que tínhamos era uma influencia dele. Sentimos, então, que não se é rogeriano, não se é igual ao outro nunca, mas são das influências que construímos uma perspectiva, é da nossa leitura. Talvez, ele, fizesse completamente diferente, e chegasse, pelos mesmos princípios, até a uma situação muito melhor.


Biografia

Carl Ransom Rogers nasceu em Oak Park, Illinois, em 1902. Faleceu em La Jolla, na Califórnia, em 1987.

Formado em História e Psicologia, aplicou à educação princípios da Psicologia Clínica, área em que atuou por mais de trinta anos. Um desses princípios é a chamada "Terapia Centrada no Cliente", utilizando técnicas de reformulação e clarificação dos sentimentos, buscando uma atitude de maior aceitação dos sentimentos do cliente por palie do terapeuta. Rogers é considerado um representante da corrente humanista em educação. Concebe o ser humano como sendo bom e curioso, e que precisa de ajuda para poder evoluir, daí a necessidade de técnicas de intervenção facilitadoras.

No Brasil, suas idéias se difundiram na década de 1970, em confronto direto com as idéias comportamentalistas de Skinner. É nessa década que Rogers dirige sua atenção de maneira prioritária à educação, propondo uma “Pedagogia Experiencial”, centrada no aluno. Acredita que os alunos aprendem melhor, são mais criativos e mais capazes de solucionar problemas, quando os professores proporcionam um clima humano e de facilitação.


Liberdade em sala de aula

Para Rogers, a liberdade em sala de aula é justamente a possibilidade de o aluno descobrir a aprendizagem e poder refletir para o professor o que está sentindo, para encontrar novos caminhos. Ou seja, a aula deixa de ser padronizada, idêntica para todo mundo, há uma entrada do aluno nela, há uma participação ativa e real, onde a liberdade dele está se expressando na vontade de aprender, ou dirigindo a própria aprendizagem. Os insides, os grandes momentos de descoberta não são guardados para si, são colocados no grupo e o professor tem que estar muito preparado, para acompanhar. Porque senão, “a ditadura do conteúdo sufoca a liberdade do aprender”.


Escuta sensível

O professor, para trabalhar nesta abordagem, precisa desenvolver uma escuta sensível. Sensível ao aluno, ao sentido da pergunta do aluno. Precisa ter certa paciência, um compromisso com essa escuta. A escuta sensível é a escuta sem julgamento. É a escuta capaz até, se for o caso de uma brincadeira, de uma falta de atenção, colocar o limite, mas primeiro ouvir. Isso é extremamente importante, essa escuta que vai se fazendo sensível ao ato de aprender e ao significado que essa aprendizagem vai ter na construção dessa pessoa, Para Rogers, é uma pessoa em construção, não um aluno construindo apenas comportamentos acadêmicos.

"Quando alguém exprime um sentimento, uma atitude ou uma opinião, nossa tendência é quase de, imediatamente, sentir, 'está certo', 'que besteira', ou 'não é normal, Raramente permitimos a nós mesmos compreender precisamente o que significa para esta pessoa o que ela está dizendo”.


Pessoa interna pessoa inacabada

A questão da pessoa é fundamental nesta abordagem. A pessoa é inacabada, se o crescimento físico pára num determinado momento, o desenvolvimento da pessoa não pára nunca, Então, não tem fim aprender a ser pessoa, estar aberto às transformações, a tudo o que está acontecendo ao redor e no interior de si mesmo. E isso precisa ser trabalhado na escola, porque senão luta-se para se defender contra as coisas que vão aparecendo, as drogas, as brigas, a violência.

De novo a questão de trabalhar somente conteúdo, mais os conteúdos, os comportamentos acadêmicos, como se pudéssemos dividir: há um aluno e não há uma pessoa. A escola recebe uma pessoa inteira, com todas as suas nuances e as suas dimensões, não recebe um aluno.

Facilitação


A facilitação significa uma situação em sala de aula em que o professor se coloca, porque ele tem uma escuta sensível ao aluno como individuo e ao grupo como um todo e, pela empatia, vai fazendo com que a aprendizagem seja conduzida de uma maneira em que ele funcione não como aquele que ensina que cobra, que enche o pote do aluno de conteúdo, para depois ele poder cobrar, mas é aquele que vai ensinado e vai conduzindo de uma forma consciente, rigorosa e afetiva, o aluno a aprender e a entender o significado, criar sentido, buscar sentido para aquilo que é novo para ele, fazendo uma corrente na quais os aprendizados vão formando o conteúdo completo interior de cada um, para o significado da própria vida.

 A facilitação parece uma coisa muito difícil. Quando falamos com o professor, fica sempre a questão de que são muitas pessoas, muitos alunos.

“Tive uma experiência diretamente com Rogers, na Universidade de San Diego, em 1980, marcante”. Tive um problema cirúrgico odontológico, e, enquanto Rogers falava lá na frente, conduzia o Workshop, varias vezes sai para tomar aspirina, porque tinha muita dor. Mesmo o pessoal que estava no pequeno grupo não percebia, achava que tinha ido tomar água. E, de repente, numa de minhas saídas, Carl Rogers sai por outra porta e me encontra tomando água, e me pergunta: ‘ O que há? Porque você tem um olhar e uma postura de dor’.

Eu era praticamente uma estranha num grupo de oitenta e, da frente, ele pode distinguir a dor que deveria estar visível em todos os meus gestos, E eu estava de aluna super aplicada, tentando aproveitar ao máximo aquela situação.

Ana Gracinda Queluz Garcia


Aceitação

"Quando tento ouvir-me e estar atento ao que experimento no meu íntimo, quanto mais procuro ampliar esta minha atitude de escutar os outros, mais respeito sinto pelos complexos aspectos da vida. Sinto-me muito mais feliz simplesmente por ser eu mesmo e por deixar os outros serem eles mesmos. Mas, paradoxalmente, na medida que cada um aceita ser ele mesmo, descobre que não apenas muda, mas que as pessoas com quem ele tem relações mudam igualmente".

Aceitar não é concordar, ela vem antes de tudo. Aceitar que as pessoas são diferentes. Aceitar que as pessoas têm momentos que não estão idênticos aos nossos. O professor está. Dando aula, ele tem certeza que está dando o máximo, mas o comportamento de alguns alunos fere, porque os alunos não estão reconhecendo isso. Como é essa história na cabeça dele? Só que há um momento em que se precisa compreender e aceitar que as pessoas estão com seus outros conteúdos, dialogar aceitando o outro, olhando para o outro, é diferente de concordar. Concordar pode ser um lavar as mãos: "Vocês não querem aprender, dane-se!". Nunca, na abordagem seria isso.

Até podemos dizer para o aluno: “Entendo o que você está passando, mas não concordo com a forma como você está manifestando. Isso deve ser muito difícil, isso deve ser muito difícil para você, mas esse seu jeito de manifestar não posso concordar. Você não pode agredir o outro”.


O professor

Concordamos que a profissão fique cada vez mais interessante e mais cheia de vida, porque, em principio está se “professando a fé no ato de aprender do outro”. O grande problema é que o professor precisa se preparar para um outro paradigma. Não de que o conteúdo é tudo, algumas pessoas aprendem ouvindo, outras pessoas precisam conversar para aprender, precisam entender discutir, outros rabiscam, enfim, são inúmeras formas de aprender que estão naquela sala com muitas pessoas.

A dificuldade do professor é, muitas vezes, querer passar o conteúdo de um jeito só. Estamos usando uma fala comum: passar o conteúdo. Esse conteúdo não é para ser absorvido tal como foi passado, é para ter um sentido, senão não vale a pena estar lá, nem para o professor, nem para o aluno. Na medida em que o professor perde o medo de errar, perde o medo de não saber o que o aluno perguntou, ele é real e verdadeiro naquele momento, garante o respeito, se respeita também e, simplesmente, a profissão ganha mais força. É essa questão que permeia essa construção do humano, até porque o aluno também vai compreender o que é aprender, porque o professor está em situação de aprendizagem. A hora que tem um ser que não está em situação de aprendizagem mais, deu-se o ponto definitivo – é assim, e acabou. Não é, sabemos que não é assim.
O ensinar é uma conseqüência de colocar-se em aprendizagem. “Quem parou de aprender também parou de saber ensinar”.


Poder pessoal

Um menino com uma dificuldade muito grande afetiva, uma criança muito complicada, com muita dificuldade, então de conviver e de aprender. “Isso mostra que essas coisas andam juntas: conviver e aprender”. Aos poucos, fomos trabalhando com ele, com a mãe. Ele era um menino submetido a castigos muito grande, ajoelhar no milho, um menino que não trabalhava muito bom as emoções, não chorava, não ria, sempre muito fechado. Num trabalho dele junto com a mãe, conversando juntos, ela disse que começaria a fazer o que fazíamos na escola, dialogar, colocar limites, e não ia mais bater, se comprometeu. Ele teve uma atitude, pela primeira vez, de uma emoção forte, de entender o que estava se passando com ele, de expressar. Com isto essa barreira foi caindo, foi se aproximando e fazendo parte cada vez mais daquele grupo, daquela vida, das coisa que aconteciam na pré escola.

Depois ele foi para o primeiro grau. Um dia ele apareceu com a professora dele e a apresentou: “Essa é a minha professora de agora, conta para ela como é que faz para dar certo, para eu aprender!”.

"A experiência é, para mim, a suprema autoridade. Nenhuma idéia de qualquer outra pessoa, nenhuma das minhas próprias idéias têm a autoridade de que se reveste a minha experiência. Sinto que o único aprendizado que influencia significativamente o comportamento é o aprendizado autodescoberto, auto-apropriado".

O poder pessoal é o poder que é só nosso, por isso é pessoal. É nos colocarmos no mundo e dizer estamos aqui, precisamos disso, queremos isso. Não é um poder ditatorial, não é hierárquico, não é atribuído pelo outro, dado, ele é conquistado, é um direito, até. Ele é bom, é o poder do bem, o poder da pessoa. Da pessoa que é capaz de lutar para se construir, para se descobrir, para fazer alguma coisa por ela mesma, sem o exercício da violência.

Aquele menino é um bom exemplo disso. Poder pessoal de aprender, ele foi lutar por ele, da forma como ele viu seus professores anteriores funcionando.

O exercício, a construção do poder pessoal é extremamente importante, porque, muitas vezes, é tanto não, tanto corte, tanta punição em sala de aula, que ele só se manifesta na agressão e na violência, não na construção de um futuro.


Congruência

O professor ser congruente faz parte de sua característica de facilitador. Não podemos ser facilitadores se não nos conhecemos, se nossa atitude não é congruente com o que sentimos, com o que estamos vivendo.

Em relação à criança pequena, na pré-escola, existe uma fala que não corresponde de fato aos sentimentos do professor. É aquele excesso de “fofinho”, “queridinho” e, atrás disto: “Olha, vou ficar triste se...”, há muita condição imposta. “Não gosto quando..” “Só vai sair se...” O que nos assustava era a criança dizendo: “Eu sou quietinho, né? . “Estou quietinho, né?” “Você gosta de mim...”. “Eu to quietinho, eu tava bonzinho...” Parte da conversa, do diálogo, sob condições, colocando o aluno sob uma condição para ser aceito, para ser amado, para ter um lugar ali. Isso ensina, de alguma forma, a criança a não ser verdadeira, nem congruente, porque o professor não está sendo. Na verdade, ele pode dizer tranquilamente: “João, entendo que você esteja chateado, mas jogar o livro do outro no chão, não pode”. “Pessoal, vamos parar de fazer barulho, com essa bagunça eu não consigo trabalhar”. Ele pode dizer: “Eu não consigo trabalhar legal com vocês neste meio, preciso de silêncio para trabalhar”. É ele que precisa de silencio, não a turma.

Elas recebiam pratos feitos, todos iguaizinhos. Pedimos, então, que fosse dado a elas o direito, a liberdade de escolher como montar este prato. A idéia é que eles fariam muita bagunça, não comeriam as verduras. Organizamos a situação em mesas menores, com os professores comento junto (por que não?), e as crianças começaram a manifestar como eles gostavam que o prato fosse feito. Isso lhes deu uma alegria. Aquela coisa confusa da hora do almoço, eles falavam que as crianças estavam ranhetas, criando situações de birra, isso foi melhorando, porque eles não estavam comendo da maneira que imaginavam que era melhor para eles, do jeito que gostavam, experimentando tudo o que era novo. Sem problema nenhum. É um exercício pequeno, mas poderoso, de respeito e de uma escolha que é tão simples, e que não faz diferença nenhuma. Um pouco mais de trabalho? Pode ser. Mas não é muito trabalho para se construir uma pessoa.

"Aprendi nas minhas relações com as pessoas que não ajuda, a longo prazo, agir como se eu fosse alguma coisa que eu não sou. A aprendizagem pode ser facilitada se o professor for congruente, se ele for a pessoa que verdadeiramente é e se tiver consciência plena de suas atitudes."


O Grupo

Inicialmente, Rogers, como terapeuta, começou a discutir a partir do indivíduo. Até se falava muito que era uma abordagem que não dava conta do grupo, depois não, depois Rogers começou a ser um precursor dos trabalhos em grupo, do pequeno grupo, do grupo grande, da comunidade.

Fiquei um pouco mais além do tempo do curso com ele, para conversar sobre nosso trabalho, que era minha dissertação de mestrado sobre pré-escola, "A pré-escola centrada na criança – uma influência de Carl R. Rogers”, e ele me chamou a atenção para um fato que lhe deixava impressionado: a escola não gerar uma comunidade do aprender. Isso me marcou muito e, no meu trabalho com as crianças, tive uma demonstração muita clara da importância do grupo.
Tínhamos sempre, após as aulas, Um trabalho de grupo com os professores e as crianças presente, até que os pais as buscassem. Ela viam os professores reunidos conversando sobre o que acontecia no dia a dia e pediram uma vez à mesa para fazerem uma reunião – que eles chamaram até de “runião”.  Foi uma coisa muito interessante, porque nos surpreendeu, aceitamos e ficamos, como elas, por ali – talvez do mesmo jeito deles, curiosos. Elas discutiam com uma das crianças que não podia bater e chorar, porque o menino batia e já chorava. Sempre parecia que ele era a vítima. E eles diziam que isso ia acabar.

Uma outra situação, que me marcou demais, e foi também inesperada. Estavam a auxiliar, a professora, eu estava no grupo também, porque fazia uma assessoria, acompanhava o grupo de vez em quando, e, nesse dia, uma das cri ancas teve diarréia, um dos meninos, no grupo e não deu tempo de ele sair. Ele se sujou todo e ficou constrangido. A auxiliar o tirou, saiu com ele para trocar a roupa, e um dos meninos do grupo começou a chorar. Aquele detalhe da escuta sensível, do olhar sensível: “Por que você está chorando?”.  E o menino disse: "Estou sentido uma coisa, porque ele ficou 'cagado' e ninguém riu dele! Achei isso bom". Porque na expressão chula da criança, que repeti, fiz questão de reproduzir exatamente sua fala, ele percebeu uma dimensão do respeito do grupo para com o colega e que isso era diferente do que ele tinha vivido até então. Estava percebendo isto: a situação foi colocada no grupo novamente, uma criança de cinco, para seis anos, uma importante constatação.

Os grupos têm histórias próprias e a sala de aula é um grupo diferenciado. O que dá certo em uma pode não dar em outra, a maior parte das vezes não dá. Acho que uma contribuição muito grande que Rogers traz nesta questão de grupo é: "Que grupo é esse? Que vida é essa? Quais são as bases de construção dele? Qual é a ameaça que temem e qual é o tamanho da ameaça que geram quando estão juntos?".

Ana Gracinda Queluz Garcia


Limites

O limite não é podar a pessoa, impedir, mas é aquele momento em que há uma parada necessário. O limite protege e, com as crianças de pré~escola, percebemos uma tendência à ausência de limites. Uma falsa idéia de poder que os pais acabam dando e que os professores também.
Então, pode tudo e não pode nada. Pode tudo “desde que” entrar em contato com o que esta se passando na cabeça das crianças. Ou então não pode nada, o que não é um limite. O limite é um não necessário e não um festival de recusa. O limite tem sentido.
Diziam que as crianças não saíram da frente da televisão. Eu respondia: “Minha senhora, tem um botão que desliga, é o mesmo que liga. Se foi ligada, é possível ser desligada, é o mesmo botão”.

Uma vez, fiquei tão preocupada, a escola ficou tão preocupada, com as reclamações, com os problemas em relação à alimentação, que fizemos uma mesa com tudo o que os pais reclamavam das crianças – salsicha, doces... Primeiro convidamos os pais a tomarem um lanche e fizemos uma observação, depois pedimos que eles dissessem como haviam comido. A maioria havia comido desordenadamente, não obedeceu àquela ordem que queriam. Possivelmente, não havia coerência, nem consistência na fala deles dentro de casa.

Ana Gracinda Queluz Garcia

Conteúdos

“Por aprendizagem significativa eu entendo aquela que é mais do que uma acumulação de fatos. É uma aprendizagem que provoca uma modificação, quer seja no comportamento do indivíduo, na orientação futura que escolhe, ou nas atitudes e personalidade. Verifica-se mais facilmente uma aprendizagem significativa quando as situações são percebidas como problemáticas”.

Uma preocupação que existe em relação a esta abordagem, é ela ficar muito mais no lado emocional, do comportamento, e deixar de lado os conteúdos importantes Dara que os alunos tenham acesso às carreiras etc. Mas isso não é verdade. É uma condução de um processo, de uma forma diferente, que “não diminui a importância do conteúdo, apenas não deixa Que ele dite as normas”. E se ele não tem significado, é esquecido. Às vezes o aluno diz uma coisa assim: “Você perguntou uma coisa do bimestre passado, eu errei”. Ora, mas um bimestre e já errou? Ele quer saber se não vai cair a matéria do outro bimestre, que ele já devolveu, que é a famosa “Educação Bancária”, do Paulo Freire, que ele recebeu, já devolveu e já ficou vazio novamente, com vagas lembranças. Isso não é uma educação de qualidade. Uma educação de qualidade é levar a pessoa também a buscar na sua liberdade de aprender mais elementos para construir aquilo que está sendo discutido, que está em pauta.

Nunca se falou tanto que a sociedade muda rapidamente e não tem mais um lugar no futuro para ele predeterminado. É esse conteúdo que põe o aluno lá.


Falava com um educador que me disse que fez as melhores escolas, mas não sabia que ia lidar com anorexia, drogas, violência, nesse nível, dentro da escola. "A escola é uma surpresa também para os próprios educadores". Tem-se que encontrar caminhos. Não digo que este é o caminho certo, mas que é preciso se definir caminhos, sim.

Como podemos ter certeza que o mercado receberá uma pessoa, porque tem determinado conteúdo?

Acho que se ela tiver: - tolerância; - capacidade de lidar com frustração; - interesse em aprender; - descobrir caminhos para realizar sua aprendizagem; - descobrir como se viaja na internet, como se navega - buscar informações; - como se procura conhecer pessoas, que contatos precisa ter com gente da profissão que lhe interessa, ou da sua carreira - relacionar-se; como lida com suas emoções e principalmente com suas frustrações, o que pode criar; - como ela se aglutina a um grupo, como pertencer ao grupo; ela terá mais sucesso do que se ela só souber o conteúdo.

Recentemente na universidade, uma aluna que está fazendo especialização disse. Taxativamente: “Venho aqui para pegar o conteúdo e levar lá na empresa e isso tem que dar certo”. Perguntei-lhe: “Se você mudar de empresa?”. Ela respondeu: “Aí, complica”.

"Um professor que tive dizia, não seja um vagão de munições, seja uma espingarda. Julgo que a maior parte dos educadores partilharia da opinião de que o conhecimento existe principalmente para ser utilizado".

Quando saí de La Jolla, da Universidade de San Diego, ele me deu de presente um texto dele e disse: "Olha, é um livro que vai sair e está ainda com minhas correções à tinta, a lápis, mas acho que será útil para você neste momento em que você está escrevendo”. Aquela confiança básica, ele tinha mesmo. Muitos autores não fariam isso, não entregariam a um estranho um livro não publicado. É o jeito de ser dele.

3.6  Howard Gardner
        Kátia Stocco Smole
        Roteiro e apresentação


"Acredito em uma educação que privilegie a compreensão, o que significa aprofundar-se em diferentes matérias. Tendo isso como objetivo, Inteligências Múltiplas podem ser muito Úteis. Podemos oferecer formas diferentes de fazer os estudantes interessarem-se, de criar analogias e metáforas, e o mais importante: isso representa diferentes formas de pensar sobre um tema. Um profundo conhecedor é capaz de enxergar uma questão em vários aspectos, ele tem e usa Inteligências Múltiplas. É o que deveríamos fazer com as crianças: reconhecer suas competências: ajuda-las a encontrar opções que usem essas competências, mas também ampliar sua compreensão para que possam de muitas formas diferentes, utilizando as competências que possam ter” (Howard Gardner).

Kátia Stocco Smole
Roteiro e apresentação


Biografia

Howard Gardner nasceu em 1943. É professor da Harvard University e da Boston University School of Motion. E diretor sênior do Projeto Zero de Harvard.

Gardner é autor de centenas de artigos e mais de vinte livros traduzidos em 22 línguas.

Recebeu inúmeros prêmios e títulos honorários em vinte universidades, em diversos países.

Como psicólogo do desenvolvimento Gardner acreditava que suas pesquisas sobre a inteligência teriam repercussão entre seus pares, mas o que ocorreu foi que sua teoria das Inteligências Múltiplas tornou-o mundialmente conhecido e estudado, principalmente por educadores.

Nos últimos anos Gardner tem se dedicado especialmente a estudar as implicações educacionais de sua teoria.

Quando conversamos a respeito das Inteligências Múltiplas, uma das coisas mais essenciais é entender porque Gardner não chamou essas inteligências de talentos. Ele opta não chamar de talentos, porque, disse, que achava pouco, perto da grandiosidade que a inteligência tem. Para ele, a inteligência é um potencial biológico, mas mais do que isto, para Gardner a inteligência está associada à capacidade de resolver problemas, ter projetos, desenvolver coisas, projetos que sejam socialmente, úteis e, mais do que sonhar, ir atrás de realizar esses projetos. Aí ele diz uma coisa interessante, que para criar alguma coisa socialmente útil não temos uma forma só de criação. Temos a criação na arte, na música, uma criação voltada para sua profissão. Então, o que ele percebe estudando pacientes com danos cerebrais, estudando diferentes pessoas, olhando para os alunos, é que temos múltiplas inteligências. E que essa capacidade de resolver problemas de criar, pode acontecer em muitas áreas diferentes do cérebro. É quando todas as pesquisas dele se juntam e ele diz, é quase nas vésperas de publicar "Frames of Mind", não é para chamar de talentos é para chamar de inteligências mesmo, são múltiplas.

Gardner sempre foi interessado pela arte e música, em particular. Tendo sido, inclusive, pianista e professor de piano. Por que a arte raramente aparece nas pesquisas sobre o funcionamento da mente humana? Aí está o início dos estudos que o levaram a teoria das Inteligências Múltiplas.

Gardner passa a realizar pesquisas na área da Neurologia, estudando aonde estão localizadas no cérebro algumas faculdades, como a fala ou a capacidade de ver. Essas pesquisas são feitas a partir de pessoas que sofreram danos cerebrais e perderam parte de uma faculdade. Então se pergunta: será que há um lugar especial no cérebro para as artes, ou para a linguagem, ou para questões que envolvam a lógica? Ao final de vinte anos de estudos, Gardner tem um trabalho pronto a ser publicado, quando é procurado pela Fundação Européia Bernard Van Leer, com um desafio: como essas pesquisas sobre cognição podem auxiliar na educação? Após ampliar muito seus trabalhos, publica seu livro "Frames of Mind" - Estruturas da Mente -, com as bases da teoria das Inteligências Múltiplas.


Inteligências

A primeira versão da teoria das Inteligências Múltiplas tem setes Inteligências. Por que sete? Número mágico! Não. Porque naquele momento eram as capacidades que Gardner tinha identificado.

Ele dizia que duas já estavam amplamente estudadas: a lógica matemática e a lingüística. Então a lingüística, aquela inteligência associada àquelas pessoas que escrevem e que falam, que lidam, criam, resolvem problemas, através de múltiplas formas da linguagem, oral e escrita.

A inteligência lógico matemática, associada à capacidade de lidar com os números, mas também de resolver problemas, de seguir encadeamentos lógicos de idéias. Aí vamos ter os advogados, cientistas, todas as pessoas que, de alguma forma, precisam ou usam ou têm uma grande capacidade de olhar de forma lógica para os problemas que têm para resolver, para as coisas que precisam criar.
Além dessas duas, que o Gardner dizia terem sido amplamente estudadas, exatamente porque o Piaget estudou amplamente a inteligência lógico matemática, Chomsky e outros grandes pesquisadores da inteligência lingüística.

Temos a inteligência espacial. A inteligência espacial é ligada à capacidade de olhar para o espaço. A inteligência corporal sinestésica, presente em todos aqueles, ou manifesta em todos aqueles que fazem do corpo um veiculo para manifestação do pensamento, da criação, da arte.

Também temos duas inteligências mais pessoais, no seguinte sentido, elas estão ligadas, segundo Gardner, ao relacionamento com as pessoas.

A inteligência interpessoal, aquela inteligência que me permite ver no humor do outro, entender o outro, captar o outro na sua essência, presente muitas vezes nos vendedores e nos comunicadores. É na sensação, na percepção, na captação do outro como um legítimo outro.

A inteligência intrapessoal, que é uma inteligência muito ligada ao autoconhecimento, ao autocontrole.

A inteligência musical, que é aquela inteligência que nos permite criar. Óbvio que o Gardner, como musicista, dedicou-se muito a essa inteligência. E aí ele inclui a capacidade musical, que é a sensibilidade a sons, a ritmos, a música como uma das sete inteligências.

Quantas inteligências existem?
Duas coisas são importantes de nós falarmos. A primeira, é que Gardner já disse que infinitas não são. Porque depois de um tempo, todas as inteligências - oito, nove -, que você conseguir mapear, elas serão suficientes para explicar todas as capacidades humanas, todas as atividades humanas.

Mas ele diz também que não são só sete, eram sete naquele momento, de lá pra cá já são quase 20 anos, ou 20 anos de pesquisas, e Gardner identifica mais uma, que é a inteligência na turalista.

A inteligência naturalista seria uma inteligência muito fortemente presente nos ambientalistas, nos estudiosos do ambiente, ou nos paisagistas. Pessoas que são capazes de perceber no ambiente, mas o ambiente pensado como meio em que se vive e não necessariamente todo o espaço, coisas que outras pessoas não percebem. Podemos passar perto de uma árvore e ela ser só uma árvore. Mas, um naturalista, ele olha para aquela árvore, diz: "essa folha é uma folha diferente, será que essa folha tem relação com o tipo de pássaro que está aqui?”.

Existe uma outra inteligência, que Gardner diz que, por enquanto, ele prefere chamar de meia inteligência, embora tenha uma briga bastante interessante aí. Que é a inteligência espiritualista para alguns, ou existencialistas para outros. Essa é a inteligência que seria mais transcendental, a capacidade de lidar com as questões de vida e morte, de meditação, o autocontrole, a explicação do cosmos.

Gardner diz que há comprovações neurológicas que a fé interfere, por exemplo, muito na cura de doenças, na sua própria ajuda, a fé religiosa. Mas ele ainda não consegue concordar com os argumentos de quem estuda a teoria existencialista ou espiritualista. Ele diz que, por enquanto, ele nem refuta, mas ele também não diz que é.

Aqui no Brasil, alguns pesquisadores trouxeram uma outra possibilidade, que foi a inteligência pictórica. Essa inteligência vem sendo estudada desde, mais ou menos, 1994, inicialmente pelos trabalhos do professor Nilson Machado, da USP. E, depois, com a nossa colaboração, estudamos a possibilidade dessa inteligência que seria inteligência para criar e resolver problemas no âmbito da imagem, da expressão pictórica, do desenho. Isso também está em estudo, ela é muito validada aqui no Brasil, mas o Gardner ainda não teve nenhum posicionamento a esse respeito.

Se, são sete inteligências, dez inteligências, nove inteligências, oito inteligências, não são fundamentais.

Mas há coisas fundamentais.

A primeira coisa fundamental é que as inteligências são múltiplas. Por que isso é fundamental? Porque isso marca a diferença entre as pessoas. As inteligências são múltiplas, são originais na sua forma de agir para cada pessoa, como uma impressão digital.

A teoria das inteligências múltiplas tem a sua importância quando assumimos que todos os alunos são diferentes, que a aprendem de formas diferentes e que, por isso, precisam ser considerados nas suas diferenças.


Inteligência fundamental

A inteligência fundamental é aquela que, na hora da criação ou da resolução do problema, se manifesta para nós como inteligência que puxa a outra, numa combinação de inteligências para poder criarmos, resolvermos problemas, para podermos aprender. Mas veja, uma hora isso pode acontecer com a lingüística, outra hora pode ser espacial, outra hora pode ser pictórica, outra hora a naturalista, vai depender do problema que tivermos para resolver.


As inteligências são independentes

As inteligências são independentes. Estão localizadas em pontos diferentes do cérebro, mas elas trabalham juntas. Há um tempo atrás, tivemos a oportunidade de conversar com uma jogadora de vôlei, e perguntamos-lhe: "como é que você explica as jogadas?".

E quando ela começou a explicar as jogadas foi interessantíssimo, porque ela diz assim: "olha, quando estou na quadra, começo a olhar para quem está lá do outro lado. Então começo ler os sinais: descubro quem está nervoso, descubro quem está desatento, leio os sinais. E, aí, quando a bola vem para mim, elaboro o arremesso com a intenção de fazer esse arremesso chegar àquela pessoa".

Ao longo de toda a vida, as inteligências se combinarão de formas muito originais e conversarão. Dificilmente teremos uma tarefa, um problema, uma criação envolvendo um único tipo de inteligência.


Os potenciais de cada um

Todas as pessoas têm potencial para se desenvolver em todas as inteligências. O desenvolvimento dependerá de vários fatores, mas, biologicamente, todos somos competentes nas múltiplas inteligências.

Se no nosso ambiente, na nossa escola, se os problemas que tivermos que resolver durante a vida, exigirem uma a mais, outra amenos, teremos um perfil final diferente. Mas elas se desenvolvem ao longo de toda a vida, e se desenvolvem para todo mundo.

Então, a teoria das Inteligências Múltiplas invalida o trabalho de Piaget, invalida o trabalho de Vygotsky. Em hipótese alguma! Aliás, Piaget e Vygotsky são dois autores muitíssimo utilizados e estudados por Gardner. Vygotsky mais para as questões da linguagem, da inteligência lingüística.

E Piaget, Gardner faz uma única critica, que na verdade não é uma critica, é uma observação entre teóricos, nem todo mundo concordou com Piaget, o próprio Vygotsky discordava de algumas coisas em Piaget. Então Gardner, como um pesquisador também se deu esse direito, de fazer uma única observação: ele diz que ninguém no mundo estudou mais o desenvolvimento da inteligência lógico matemática do que Piaget. Mas que Piaget não estudou o desenvolvimento da inteligência humana no sentido amplo, mas no sentido lógico matemático.


Emoção

Afinal de contas, a emoção é ou não é uma inteligência? Gardner tem posicionamentos muito claros. Ele dirá que, assim como a moral, as emoções são produtos das inteligências inter e intrapessoal, e não uma inteligência em si.


Críticas

É preciso dizer que teoria das Inteligências Múltiplas não é exatamente uma unanimidade, veremos que ela é importante para nós que somos educadores, porque ela responde muitas coisas a respeito da educação, mas as críticas, as perguntas, existem.

Uma das críticas que as pessoas fazem ao Gardner é que não se trata de uma teoria, por ser empírica. E ela é mesmo empírica.

Eles costumam dizer, e a resposta é sim. É uma teoria empírica. O que significa isso? Significa que ela foi feita com bases em observações, em leituras de indícios, em leituras de sinais. Gardner e sua equipe tomaram todas as providências para que ela efetivamente fosse uma teoria. Criaram oito critérios para definir se uma inteligência pode ou não ser considerada assim; fizeram pesquisas com populações muito diferentes - quando dizemos populações, estamos dizendo sujeitos que foram objetos de pesquisa; se valeram dos estudos da Neurologia, da Psicologia Cognitiva, de estudos anteriores e fizeram à teoria.

E Gardner diz que a vantagem dela é que ela é empírica. Por quê? Porque ela tem uma base sólida, um núcleo sólido, que é a multiplicidade da inteligência e a partir daí ela pode, ao longo do tempo, se atualizar, aprofundar-se, melhorar-se em função dos estudos novos que vierem dessas mesmas áreas: da Antropologia, da Filosofia, da Ciência Cognitiva, enfim, de tudo o que ele usou para as pesquisas.

Como é que colocamos o que seria um talento como uma inteligência?, uma habilidade como uma inteligência? É interessante, porque Gardner diferencia, diz: "é muito diferente uma criança chutar uma bola, do que um atleta chutar uma bola".

Por quê? Porque a criança, quando chuta uma bola; pode não estar querendo nada, a não ser chutar a bola, mas o atleta, quando ele arremessa uma bola, ou quando ele chuta uma bola, ele tem uma intenção. Ele quer criar uma jogada com uma finalidade bastante definida, ele tem um problema a resolver e por isso ele faz o arremesso. Ele não faz o.arremesso a esmo. Ele não chuta de qualquer jeito. Ele faz com uma intencionalidarle, e é como-, se o cérebro todo, naquele momento, tivesse disposto, ou espalhado ao longo do corpo, para resolver aquela questão, para criar aquilo que naquele momento é socialmente útil.

Em crianças bem pequenas notamos que elas, às vezes, nem controlam, elas não andam, mas colocamos uma música e elas balançam. Balançam por quê? Porque o potencial biológico para a música está lá, o cérebro responde a isso. Isso é bonito de uma teoria empírica, como essa teoria das Inteligências Múltiplas. Hoje, vários estudos neurológicos, envolvendo musica e movimento, comprovam que Gardner tinha razão.
Então essa crítica é refutada exatamente por uma outra crítica, que vira uma vantagem, a "empiricidade" da teoria.


Autocrítica

Atualmente, ele mesmo diz que uma crítica que faria à própria teoria é que, quando ela foi lançada, ele dava muito mais importância à localização rígida das inteligências no cérebro. Hoje sabe que isso é um pouco mais maleável, não deixa de existir, mas exatamente pela alta capacidade cerebral de modificação, de adaptação, em função de problemas e necessidades, ele hoje já "relativiza" essa posição fixa das inteligências no cérebro.

Metodologia

A verdade é que não se transpõe uma teoria para a prática de forma imediata. Os professores e educadores é que leram na teoria das Inteligências Múltiplas explicações para questões de sala de aula. Mas Gardner não fez uma metodologia, ele fez uma teoria sobre cognição.

Então, se a teoria das Inteligências Múltiplas não tem uma pedagogia associada a ela; se não é, necessariamente, uma forma pedagógica de conduzir a escola; se não fala sobre tempo, se não diz sobre currículo, se não diz se é melhor ter mais aulas dessa disciplina ou daquela disciplina, qual é o uso que se faz na escola?

Embora não seja um receituário pedagógico; embora a teoria das Inteligências Múltiplas esteja na esfera da cognição, esteja ligada a procedimentos de investigação sobre o desenvolvimento do cérebro; ela tem muitas pistas para a educação. Como diz Gardner, foram os educadores os primeiros a perceber isso. Se tivermos alguns cuidados, certamente veremos muitas vantagens e muitas possibilidades de uso dessa teoria na prática da escola.

O cerne da questão, diríamos, a coisa mais importante que esta teoria tem para a escola é a educação personalizada.


Educação personalizada

Isso é o foco. Quer dizer, não significa que devemos ter um professor para cada aluno, ou uma aula diferente para cada aluno, não vamos entender assim a educação personalizada. Personalizar a educação, segundo a teoria das Inteligências Múltiplas, significa olhar a iodos e a cada um ao mesmo tempo. Significa que, a todo o momento, vamos nos preocupar tanto com aqueles que avançam sozinhos, pensando o que podemos fazer para que eles avancem ainda mais, e com aqueles que ficam para trás. Aliás, segundo a teoria das Inteligências Múltiplas, ninguém deveria ficar para trás, exatamente porque temos uma educação personalizada.

Outro ponto da educação personalizada é entender que crianças, os jovens, as pessoas, são diferentes. E se elas são diferentes, aprendem em tempos diferentes, e aprendem de formas diferentes.

Não temos como dizer que com uma boa aula todos aprenderão simultaneamente, por isso a educação personalizada na escola nos remete a uma outra implicação: o trabalho diversificado.

O que é o trabalho diversificado na escola? Bom, ele pode ser entendido de varias formas diferentes. Uma primeira forma, é termos algumas aulas, ou algum tempo, nas quais os alunos estão em sala, todos juntos, mas fazendo coisas diferentes, atividades diferentes, planejadas pelo professor, em função das necessidades dos alunos, ou atividades de livre escolha – momentos ricos esses de livre escolha, porque o professor pode perceber quais são as forças, quais são as necessidades, o que interessa mais a um aluno ou a outro. E, depois, o que não interessa, que dificuldades eles têm. Quem é que consegue levar um projeto sozinho, quem é que precisa de ajuda, que tipo de ajuda.

Então esse trabalho diversificado acompanhado de uma avaliação, de uma observação atenta do educador, uma anotação sobre cada aluno, ele contribui para a educação personalizada, ele contribui para que o professor possa planejar melhor a suas aulas de acordo com as necessidades do aluno.

Um outro ponto desse trabalho diversificado são momentos em que a escola reúne alunos de séries diferentes, de idades diferentes para trocarem as suas experiências, para aprenderem uns com os outros. Passamos a ter um olhar menos classificatório, menos acusador, em relação ao aluno que não aprende. A avaliação, na perspectiva da teoria das Inteligências Múltiplas, ela é uma lente para ajudar o professor a ensinar e o aluno a aprender. Para ajudar o professor a entender porque que o seu aluno não aprende. E acreditando que todos são capazes, buscar rotas alternativas, caminhos para fazer com que todos aprendam.

Gardner diz que inteligência múltipla não se testa, em hipótese alguma, se observa, por isso que é uma teoria empírica. E essa é a grande crítica. E ele diz assim, não estou discordando que, para efeito de estudos, possa se dizer que tenha um fator geral de inteligência, que estudamos uma capacidade que todo mundo poderia ter de forma parecida, mas ela não é única. E, por isso, para Gardner todas as pesquisas que são fundadas em teste de inteligência não cabem na teoria das Inteligências Múltiplas.




Escolas de inteligências múltiplas?


Ensinamos Matemática, então, estamos desenvolvendo inteligência Lógica Matemática; damos aula de Educação Física, então, estamos ensinando, desenvolvendo inteligência corporal sinestésica. Minto. Não necessariamente. Por quê? Porque uma inteligência não é a mesma coisa que uma disciplina. Uma inteligência é um potencial biológico, psicológico, que está relacionado à nossa espécie humana. Uma disciplina é uma construção social, com sua linguagem, suas manifestações.

Embora, para aprendermos uma disciplina, nós precisemos de uma inteligência, para construir um conhecimento disciplinar, precisemos de uma inteligência, Matemática é uma coisa, inteligência Lógico-Matemática é outra coisa. E, diríamos mais, um professor que dá uma aula de qualquer disciplina onde o aluno não é colocado, ou nunca, ou dificilmente é colocado como alguém que pensa, que cria, que resolve problemas, não pode nunca achar que porque dá aula daquela disciplina tem uma inteligência sendo desenvolvida naturalmente. Não funciona assim, porque são duas coisas diferentes. Por exemplo, estou trabalhando na aula de Matemática, estou ensinando tabuada. Dizemos, espera aí, temos que desenvolver a inteligência musical. Então vamos cantar uma música de tabuada. Isso não é desenvolver inteligência musical, isso é uma falsa aplicação da teoria das Inteligências Múltiplas. A melhor aplicação, em que se tratando de atividades genéricas, é aquela que põe o aluno frente à criação e frente à resolução de problemas.

Nenhuma escola é escola de Inteligência Múltipla, a inteligência está na pessoa. A escola no máximo pode fornecer situações para que o jovem, a criança, o aluno, enfim, desenvolvam as suas múltiplas inteligências.

Vamos para a escola para aprender, aprender Ciências, aprender Historia aprender Física, não necessariamente para ter aula sobre inteligência múltipla.

Tem um caso interessante de uma escola que anunciava que se organizava pela teoria das Inteligências Múltiplas. Então, uma, ou duas vezes por ano, os alunos visitavam a faculdade de música local. Bom, eles podem visitar! Vai ser muito interessante, conhecerão os músicos, tomaram contato com um espaço importante da comunidade, mas isso não significa inteligência musical.

Por quê? Repetimos sempre o foco: o que é inteligência para Gardner: resolver problemas e criar projetos, e desenvolver projetos que sejam socialmente úteis. Em se tratando da escola a questão é: o que a escola pretende, como é que ela pretende ensinar, como é que ela pretende fazer com que todos os alunos aprendam. Qual é o projeto que ela tem para cada aluno que está ali. E, o que ela espera, como ela trabalha as diferenças?

Experimentem fazer isso com seus alunos, perguntem a eles ao final de uma aula: "o que vocês aprenderam?". E eles não conseguem dizer, só conseguem dizer o que foi que fizeram. Isso não é uma escola que tenha a teoria das Inteligências Múltiplas como um dos seus fundamentos. Porque a escola que tem a teoria nos seus fundamentos, é a escola do pensar, não é a escola do fazer. Às vezes as escolas anunciam: teoria das inteligências múltiplas no nosso currículo, eles tem aula de judô, balé, natação, aula de jogos, enfim... Uma criança pode ter feito muitas dessas coisas e não ter movido nada em relação a potencialização das suas inteligências.


Múltiplas formas de aprender

Não esquecer que assim como as inteligências são múltiplas as formas de aprender também são múltiplas.

Então, precisamos, ao planejar um tema de estudo, pensar quais são os veículos que farão aquele tema chegar até os alunos. Será um vídeo? Será um problema? Será um texto? Será um debate? Será chamar alguém para falar? Será qual desafio? Qual é a porta de entrada para esse conhecimento? Qual é a porta de entrada para toda a diversidade de aprendizagem que temos na sala, considerando que cada aluno é único, segundo a visão da teoria das Inteligências Múltiplas.

E como é que educamos para a compreensão? Segundo a teoria das Inteligências Múltiplas quando colocamos o aluno frente a questões que são desafiadoras, quando não fugimos dos das dificuldades, quando não fugimos das questões difíceis. Escola é lugar para pensar coisa diferentes, para ter opiniões diferentes, para vencer desafios, para buscar uma questão que gere muita reflexão.

Por exemplo, há um tempo atrás fazendo um trabalho em uma escola vimos um caderno de uma criança, e nesse caderno estava escrito exatamente assim: Separe as "sila bas to ni cas e cla ssifique as palavras". E aí, paramos e pensamos, alguma coisa está errada. Primeiro que se o aluno está estudando sílaba tônica como é que ele pode escrever "sílaba"? Segundo, se ele vai ter que separar as sílabas, com é que ele pode escrever classifique: "cla, tracinho, ssi fique", nas outras duas linhas? Entendeu? Ele não estava compreendendo nada! Ele tinha copiado uma atividade que precisava classificar a palavra segundo suas sílabas tônicas e ele não entendeu nada.

Vamos ver outro exemplo!? Escravidão será que vale a pena trabalhar com nossos alunos a crença de que a escravidão no Brasil acabou com a abolição da escravatura, com a Lei Áurea, publicada pela princesa Isabel? Será que isso significa que eles vão poder compreender melhor as relações de trabalho, as relações dos visitantes, ou dos imigrantes no nosso país, nas nossas cidades. O que é educar para a compreensão? E fazer o aluno perceber que quando ele aprende sobre escravidão, ele muda a forma de pensar, quando ele aprende sobre a terra, ele não tem a visão ingênua de que no Brasil a questão da terra é uma questão de bandidos e mocinhos. E com é que aprendemos à compreensão? Como é que compreendemos? Quando pensamos sobre isso, quando vemos diferentes opiniões, quando, na verdade, somos desafiados a nos posicionar frente a uma questão.

Uma vez, em uma conversa, ele disse assim: "Se alguém me perguntasse professor Gardner, em que escola você colocaria seus filhos? Eu responderia. Numa escola que considera que as pessoas são diferentes, trabalham com as diferenças, e consideram o conhecimento como um bem, e não como um conjunto de informações passageiras. Pos isso uma escola adequada seria aquela que ajudasse o aluno a aprender com compreensão".



3.7   Edgar Morin


Biografia

Paris, 1921, nasce Edgar Nahum. Com dez anos, perde sua mãe Luna, esta perda o marcará por toda a vida. Já na infância se interessa por Literatura e Cinema, o que vai exercer forte influência em sua obra.

Durante a segunda guerra mundial Edgar interrompe seus exames na Sourbonne, e engajase na resistência francesa. Neste período, substitui o sobrenome judaico "Nahum" por "Morin", após a guerra, trabalha como redator em jornais ligados ao Partido Comunista francês.

Começa então seus primeiros atritos com os comunistas, por sua postura crítica. Já. Sem emprego, é cada vez mais discriminado no partido comunista. Edgar Morin vive um exílio interior.

Começa a escrever o livro "O Homem e a morte", É na realização desta obra que Morin forma a base de sua cultura transdisciplinar: Geografia Humana, Etnografia, Pré-História, Psicologia Infantil, Psicanálise, História das Religiões, Ciências das Mitologias, Histórias das Idéias, Filosofia...

Começa a trabalhar no Centro Nacional de Pesquisa Científica, inicia a relação de seu livro “Autocrítica”, publicado em 1959, onde faz o primeiro balanço de sua vida e de sua participação no meio cultural e político do seu tempo.

Faz uma longa viagem pela América Latina, quando se fascina pelo mundo indígena e pelo mundo afro-brasileiro.

Retorna a França onde publica o “Espírito do tempo”, aprofunda seus estudos na área de Biologia e do pensamento cibernético.

Em 1968, envolve-se nos movimentos estudantis que começam a eclodir na França. Volta ao Brasil, país pelo qual sente grande afeição, onde é recebido nos aeroportos pelos estudantes em greve.
Em 1969. é convidado pelo Instituto Salk a passar um ano na Califómia. Lá conhece a revolução biológica genética, iniciada com a descoberta da estrutura em dupla hélice da molécula do DNA.

Inicia-se nas "Três Teorias", que considera interpenetrantes e inseparáveis: a Cibernética, a Teoria dos Sistemas e a Teoria da Informação.

Volta a Paris, onde inicia a constituição de um centro de estudos bioantropológicos e de antropologia fundamental, nesse processo de reorganização dos princípios do conhecimento, começa a trabalhar uma da obras fundamentais do Pensamento Complexo "O método".

Publica, em seguida, os livros "Introdução ao Pensamento Complexo" e "Meus Demônios".

Em 1997, é convidado pelo governo francês a apresentar um plano de sugestões e proposta, a partir de seu pensamento transdisciplinar, para reforma do ensino secundário e universidade.

Viaja por mais de 30 países participando de atividades de debates com professores e especialistas das mais diversas áreas sobre questões relativas à educação nas escolas e universidades.

Vem diversas vezes ao Brasil, onde se encontram importantes núcleos de pesquisa e divulgação do pensamento complexo.


Reorganizações genéticas

Há uma característica comum em toda obra de Edgar Morin, que é uma articulação muito grande entre a vida dele e as idéias que ele professou, e professa até hoje. Ele denomina isso de reorganizações genéticas, que, na verdade, não são reorganizações genéticas no sentido da Genética, mas reorganizações no estilo de seu pensamento.

Nas obras de caráter mais biográfico, ele considera, sintetiza essas reorganizações em três.

Uma primeira ocorrida por vota de 1941, logo no período antecedente à guerra – Edgar Morin foi um membro da resistência francesa -, ele aprendeu, através dos autores que estudava então, que as idéias avançam sempre no antagonismo, nas contradições. Isso fez com que ele se dedicasse aos estudos de Engels e Marx, principalmente.
Um profundo conhecedor do marxismo, onde encontrou essa idéia de que a dialética era uma união de contrários, que poderia levar a uma sociedade melhor. Marx defende uma idéia do "homem genérico". O que é o homem genérico? É o homem que não separa a natureza da cultura. Essa idéia de homem genérico impregnou muito as idéias futuras do Morin, até hoje.

A Segunda Reorganização, o sistema de idéias dele, é uma penetração maior nas idéias de Marx, mas desde que destituídas de qualquer forma de "prometeismo”. A idéia de que viria um dia, no futuro, uma sociedade melhor. Embora Morin tenha acreditado nisso, acho que a segunda reorganização colocou esse credo marxista em dúvida.

Posteriormente ele vai substituir a palavra dialética pela palavra dialógica, isso nos escritos mais metodológicos.

A terceira reorganização ocorre dos anos 60 para frente. Morin teve uma grande permanência nos EUA nesta época, e, lá, entra em contato com três formulações teóricas que serão decisivas para a construção dos "Cinco Volumes do Método".

Entra em contato, então, com a Teoria da Informação, a Teoria dos Sistemas e a Cibernética. Estes contatos teóricos que mudarão, redefinirão o que ele chama de Terceira Reorganização, e que de certa maneira vai preparar o advento da Complexidade. Quer dizer, é a construção das bases, digamos, epistemológica do pensamento complexo.
Pensamento complexo

Nesse processo é muito importante termos sempre em mente as etimologias.

O que quer dizer complexo?

Complexo vem do latin complexus, tem o seu verbo complecteres, que simplesmente quer dizer: aquilo que é tecido em conjunto. A etimologia da palavra é exatamente essa, porque pode gerar certa confusão, porque quando falamos em complexo, automaticamente pensamos em algo simples. Não se trazer dessa oposição entre o simples e o complexo, mas trazer a etimologia que traduz bem o espírito do Pensamento Complexo - aquilo que é tecido junto.

O que é tecido junto?
Aprendemos, do século XVII em diante, com a Revolução Iluminista, que nosso pensamento, nossas idéias, eram conduzidos exclusivamente pela razão. Não foi por acaso que o século XVII foi entendido como o século do racionalismo.

O que é a razão?

Razão é aquilo que é produto de um cálculo, adequar alguns meios a alguns fins. Isso é razão.

Somos todos seres racionais, como primatas humanas que somos. Somos racionais. Aprendemos que somos apenas racionais, somos Sapiens. Hoje, 'se você disser que você é só Sapiens, você está se identificando aos nossos primos, que são os primatas não humanos, ou seja, os gorilas, os chimpanzés, os orangotangos etc. Por isso, ganhamos um segundo Sapiens. Somos Homo - do gênero homo, hominídeo -, e somos Sapiens Sapiens.

Uma das primeiras considerações de Morin, que aparece nos primeiros livros, na língua do homem, é que se você se define exclusivamente como Sapiens, você está sendo sistemático demais.

O que significa isso? Que você é: ereto, que você fala, que você saiu das árvores, que você se comunica, que você simboliza. Ou seja, cria representações, constrói representações. Esse é o lado Sapiens. Com o segundo Sapiens permanecemos na mesma coisa, sistemáticos demais.

O Pensamento Complexo considera que precisamos adicionar uma outra característica a esta sistematização excessiva, que é o Demens.

O que é o Demens? É aquilo que nós somos também: descomedidos, loucos, descontrolados, convivemos com a Hybris, e queremos afastar esse lado, como se ele fosse algo mal, algo que deve ser recalcado. Nós somos, entretanto. E isso nos faz muito mal, do ponto de vista histórico.  Quer dizer, aceitarmo-nos como Sapiens-Demens. Ou seja, que todo sujeito humano é duplo, tem um pouco de "Sapientalidade" e também de "demensialidade".

Então, uma definição mais atual da nossa condição seria: somos Homo Sapiens Sapiensdemens.

Portanto, aí está o primeiro entrelaçamento do Complexo. Ou seja, Sapiensdemens.

Operadores da complexidade

A segunda idéia que está no Pensamento Complexo são os operadores da complexidade. Operadores, como se fosse um operador de cinema. São três.
O primeiro, o operador dialógico, e não dialético, dialógico. O segundo, o operador recursivo, ou da recursividade. E o terceiro, o operador do holograma, ou operador hologramático. O operador dialógico, e não dialético, envolve a seguinte questão: o que é a Dialogia? Dialogia significa juntar coisas, entrelaçar coisas que aparentemente estão separadas. Por exemplo, a razão e a emoção, o sensível e o inteligível, o real e o imaginário, a razão e os mitos, a ciência e a arte, as ciências humanas e a ciências da natureza, tudo isso é dialogizar. Ou seja, juntar o que está aparentemente separado.

Não tem síntese! O Pensamento Complexo não é um pensamento de síntese! O segundo, o operador recursivo - recursividade. O que significa isso? Significa dizer que uma causa... Aprendemos, no velho paradigma, de que a causa a gera o efeito b, o determinante a gera o determinante b. Alguma coisa que é definida como recursiva, significa dizer que a causa produz o efeito, que produz a causa. Alguma coisa como se fosse, um anel recursivo, um circuito recursivo, melhor dizendo. Um exemplo: somos produzidos por uma união biológica de um homem e de uma mulher, portanto, somos produto dessa união e, ao mesmo tempo, seremos produtores de outras uniões. Então, somos recursivamente causa e efeito. Este é o segundo operador.

O holograma ou o principio, ou operador hologramático. Edgar Morin, às vezes, utiliza essas palavras: principio operador, base, no sentido de que são operadores, que põem em movimento o pensamento. O que é o operador hologramático? Você não consegue desassociar a parte do todo. Ou seja, a parte está no todo, da mesma forma que o todo está na parte.

Essas são as três bases que modelam o Pensamento Complexo: juntar coisas que estavam separadas; fazer circular a causa e o efeito e o efeito sobre a causa; e a terceira, a idéia da totalidade - você não consegue dissociar parte do todo, o todo está na parte, da mesma maneira que a parte está no todo.


Totalidade

Com esses três operadores vai se construir a noção de totalidade, mas os movimentos dos operadores dizem que a totalidade nunca será igual à soma das partes. Estamos acostumados a imaginar a palavra totalidade dessa maneira.

O que é a totalidade?
A totalidade é juntar a, com b, com c, com d, e com e e se terá a totalidade. Não. No Pensamento Complexo, ou no Pensamento da Complexidade, a totalidade é sempre mais que a soma, podendo ser, eventualmente, menos que a soma, porque as totalidades estão sempre abertas. Se elas forem totalidades fechadas, elas serão sempre iguais à soma das partes.

Essa idéia de totalidade como mais e menos que a soma, é fundamental no Pensamento.

Homo complexus

Aprendemos, também, que somos seres que criamos culturas. Somos loculis, porque falamos; somos fabri, porque fabricamos instrumentos; somos simbolicus, porque simbolizamos.
Criamos os mitos, as teorias, os ídolos, nossas mentiras, nossos imaginários. Aprendemos. O que não aprendemos é que somos complexos, ou seja, que estamos inscritos, que somos hoje o que somos, porque estamos inscritos numa longa ordem biológica, que nos fez como somos agora. E também nós somos seres produtores de cultura, ou seja, somos 100% natureza e 100% cultura.

Aprendemos, talvez pelas instituições escolares, a 'recalcar o lado da natureza. Não nos percebemos também como seres, que somos uniduais (100% natureza e 100% cultura). Talvez seja uma herança da razão, do racionalismo do século XVII, que nos gerou essa idéia de que, os imaginários, os mitos, as artes, não faziam parte da ciência. Tudo aquilo que é ciência, ou considerado como científico, era determinado como racional.

"O conhecimento do ponto de vista do Pensamento Complexo não está limitado à ciência. Há na literatura, na poesia, nas artes, um conhecimento profundo. Podemos dizer que no romance há um conhecimento mais sutil dos seres humanos do que encontramos nas ciências humanas, porque vemos os homens em suas subjetividades, suas paixões, seus meios etc. Por outro lado, devemos acreditar que todas as grandes obras de artes contêm um pensamento profundo sobre a vida, mesmo quando não está expresso em sua linguagem.

Quando você vê as figuras humanas pintadas por Rembrandt, há um pensamento sobre a alma humana. Portanto, eu creio que devemos romper com a separação entre as artes, a literatura de um lado e o conhecimento científico do outro". (Edgar Morin).


Razão, racionalismo e racionalização

O que é a Razão?

A razão é um cômputo. É um mecanismo da mente, do cérebro, que se traduz por um conjunto de regras que você utiliza para conhecer determinadas coisas. Usamos a razão em todas as nossas atividades. Muito bem, isso existe nos humanos desde sempre, desde esses 130 mil anos, sempre fomos racionais. Em alguns momentos alguns homens do planeta, foram considerados como seres que não tinham razão. Por exemplo, no século XVIII os índios brasileiros, os Tupinambás, levados às cortes absolutistas da França, para serem literalmente apalpados pelos membros da corte, para ver se eles eram homens, porque eles eram considerados como primitivos, inferiores, seres que não eram dotados de razão.

Isso foi uma grande incongruência que a própria ciência construiu sobre nós mesmo. Sempre fomos racionais.

Em decorrência disso criou-se o racionalismo, a idéia de que tudo na vida é guiado pela razão.

Então, todos os imaginários presentes no cinema, nas artes, na literatura e nos mitos, serão afastados como não científicos. Junto com essa noção está idéia de racionalidade.

O que é a racionalidade?

É quando você adequa meios a fins. Pouco importa se você minimiza os meios para maximizar fins, ou se faz o contrário, maximiza os meios para minimizar os fins. De qualquer maneira, a racionalidade é sempre isso, é sempre um esforço de adequação entre meios e fins.
A racionalização, esse é o pior efeito da razão. Quando a razão se fecha nela mesma e não quer saber de nada mais que faça parte desses conjuntos imaginários que estão presentes nas artes, na literatura etc., afasta isso, e razão constrói um ídolo a respeito dela mesma, ela se considera com a "razão ídolo".

Esses são os obstáculos, criados à idéia da "unidualidade".

Tetragrama organizacional

Algo que o Pensamento Complexo também considera, é de que qualquer atividade, de qualquer sistema vivo - estamos falando aqui de homens, homens reais, Homo Sapiens Sapiensdemens, poderíamos estender isso à sociedade dos animais, das formigas, abelhas, nossos primos, os primatas não humanos. Enfim, qualquer atividade de sistema vivo é guiada por uma tetralogia - tetra (quatro), ou seja, envolve relações de ordem, de desordem, de interação e de reorganização.

Edgar Morin chama isso de o Tetragrama Organizacional. Qualquer sistema vivo sempre tem ordem, regularidade, desordem, desavenças, emergência; interações, coisas que começam a interagir, que não estavam previstas anteriormente; e reorganizações, para onde o sistema vai.

O sistema sempre é algo que vive na irrupção da desordem, o que faz às vezes com que... Edgar Morin às vezes define: o que é a terra?, O planeta Terra? O planeta Terra é um mero planeta, muito pequeno no conjunto de todas as galáxias do universo e que vive à deriva. Não se sabe exatamente para onde esse planeta esta indo.

Então, o tetragrama – ordem, desordem, interação, reorganização -, aliado aos operadores da dialogia, do holograma e da recursividade, constitui o bloco forte, a base fundamental do Pensamento Complexo.

Há uma frase de Marx, que o Morin sempre costuma usar como recurso explicativo. Há uma passagem do Marx, nas teses do Foreman, que diz respeito à noção de educação e à reforma do pensamento. Diz o Marx o seguinte:

"Qualquer reforma do ensino e da educação deve antes de, mais nada, começar com a reforma dos educadores".

Ou seja, o que significa reformar dos educadores?

Significa reformar o pensamento.
O que significa reformar o pensamento?
O pensamento, o homem sempre pensou com as mesmas condições, com o mesmo aparato, por isso não há um pensamento que seja inferior a outro. Os índios do Brasil não pensam de uma maneira inferior aos urbanoides de São Paulo. Todos pensamos com os mesmos recursos, nosso cérebro é igual, pelo menos enquanto Sapiens Sapiens-Demens.

Mas a razão cartesiana, foi atribuída ao Descartes essa frase, que talvez seja uma das responsáveis por tudo isso. Disse Descartes: "Penso, logo existo" - Cogito ergo sumo E, mais do que isso, a visão cartesiana separou o sujeito que pensa, chamado "Eras Cogituns" da coisa pensada, chamada "Res Ecstences".

Com isso se introduziu uma ruptura entre o sujeito e o objeto, e, mais do que isso, a visão cartesiana nos impôs um paradigma.

O que é o paradigma? O paradigma é um conjunto de regras, padrões, teorias, modelos, visão do mundo que nós aprendemos que nos é legado inconscientemente.

O paradigma cartesiano nos ensinou a dividir, separar, a razão da "desrazão". A razão do mito, a razão do imaginário, e, com isso, o sensível do inteligível, a ciência da arte, a física quântica da antropologia e foi dividindo, separando.

A reforma do Pensamento é uma coisa indômita, que nós temos como se  tivéssemos que reaprender a pensar. Reaprender a pensar a religar todos esses continentes que foram separados desde a visão cartesiana.

"É um problema paradoxal, pois, para reformar o pensamento, é necessário, antes de tudo, reformar as instituições que depois permitem esse novo pensar. Mas para reformar as instituições é necessário que já exista um pensamento reformado. Portanto há uma contradição lógica. Em geral, essa contradição lógica não pode ser ultrapassada, a não ser que comecemos por movimentos marginais, movimentos-piloto, pelas universidades, pelas escolas exemplares de formação. Porque o grande problema é a reeducação dos educadores. Nenhum decreto, nenhuma lei pode decidir sobre ele. Trata-se de um movimento bastante vigoroso entre os educadores que a reforma não pode dar conta. Eu creio que os congressos, que as reuniões, que a difusão dessas idéias desempenham um papel importante nesse movimento entre educadores". (Edgar Morin).


Transdisciplinaridade

"A transdísciplinaridade significa mais do que disciplinas que colaboram entre elas em um projeto com um conhecimento comum a elas, mas significa também que há um modo de pensar organizador que pode atravessar as disciplinas e que pode dar uma espécie de unidade. Por outro lado. a interdisciplinaridade é um pouco como as Nacões Unidas, onde as disciplinas são separadas discutindo sobre seus territórios e transversalidade ou transdisciplinaridade é qualquer coisa que é mais profundamente integradora. Agora, para que haja transversalidade. é necessário um pensamento organizador. É o que eu chamo de Pensamento Complexo. Se não há um Pensamento Complexo, não pode haver transversalidade” (Edgar Morin).

Como nós aprendemos a separar as coisas, sempre fomos ensinados a isso, e que sabemos que precisamos religar o que foi desligado, que foi separado. Poderíamos nos perguntar a seguinte questão, como fazer isso?

Um dos efeitos da separação, da fragmentação, foi a distribuição do ensino em disciplinas. A disciplina nada mais é do que um ramo do saber, do conhecimento voltado para ele mesmo.

Hoje se fala muito nas palavras interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, transdisciplinaridade, evidente que o Pensamento Complexo aposta mais na visão transdisciplinar.

O que é a visão transdisciplinar?

É simplesmente a construção de um meta ponto de vista. E não de um ponto de vista! Mas de uma meta ponto de vista sobre a vida, a terra, o cosmo, a humanidade, o homem, o conhecimento, as culturas adolescentes, as artes, isso que é construção de meta ponto de vista. Ou seja, vai-se saber da Terra, juntando especialistas em biologia, em cosmologia, em antropologia, em física, em matemática, o poeta e o artista. Tudo isso é valido para a vida, para o homem, para o conhecimento.
Você reunir, não como uma assembléia de diferenças, mas onde cada um está dando sua contribuição para a construção de uma meta ponto de vista. O que é a vida? Respostas a essas exigências.

Edgar Morin, quando assumiu o encargo de reformar o ensino médio na França, começou o projeto exatamente reunindo os especialistas de várias ordens naquilo que ele chamou de "Jornadas Temáticas".

O que era "Jornadas Temáticas"? Era simplesmente uma discussão sobre os meta planos: terra, vida, culturas adolescentes, o homem, humanidade, cosmo etc.

"O verdadeiro problema não é fazer uma adição de conhecimento. O verdadeiro problema é uma organização de conhecimentos e saber os pontos fundamentais que se encontram em cada tipo de conhecimento ou em cada disciplina. Quer dizer, se permitir fazer uma economia na adição de conhecimentos e se permitir poder se orientar em direção à necessidade de conhecimento no qual até o momento não se pode penetrar, pois há portas fechadas e fronteiras". ( Edgar Morin).


Os sete saberes necessários

Os sete saberes não devem ser entendidos como um credo, algo a ser aplicado nas escolas. São inspirações, modalidades que excitariam o educador a redefinir a sua posição na escola, na sua relação com os alunos, na sua relação com os currículos, na sua relação com as disciplinas, na sua relação com a avaliação.

O erro e a ilusão

Erro

O primeiro saber diz respeito à idéia de erro. Por quê? Porque a ciência se acostumou a sempre afastar o erro das suas concepções. Tudo aquilo que era considerado como erro devia ser afastado. Precisamos integrar os erros nas concepções para que o conhecimento avance. Essa seria a essência do primeiro saber.

Conhecimento pertinente

O segundo saber diz respeito à idéia do conhecimento pertinente. O que é o conhecimento pertinente? O que nos foi legado foi à idéia de fragmentação. Quanto mais você fragmenta as disciplinas, melhor o conhecimento avança. Quanto mais você separa a ciência da natureza da ciência da cultura, melhor. O conhecimento pertinente vai na contramão dessa idéia. É preciso não aniquilar a idéia da disciplina, mas rearticular a idéia da disciplina em outros contextos.

Já há ciências hoje no mundo que o fazem de uma maneira muito interessante, a ecologia, por exemplo.

A ecologia é uma ciência que junta áreas de conhecimentos as mais variadas: um ecólogo tem que ser, simultaneamente, um biólogo, um antropólogo, um filósofo. A idéia do conhecimento pertinente seria uma idéia defendida contra a fragmentação, esse é o segundo saber.

Ensinar a condição humana

O terceiro saber diz respeito à condição humana. Quem somos nós? Aprendemos que somos só culturais. Precisamos reaprender que somos também naturais, físicos, psíquicos, míticos, imaginários.
Então, o terceiro saber diz respeito a esse reaprendizado da nossa própria condição, está expressa superlativamente na idéia do Sapiensdemens.


Terra pátria

Procurar o saber diz respeito à identidade terreno., identidade da Terra. O que é a Terra? É nossa Terra pátria. Precisamos ensinar aos alunos que a Terra é um pequeno planeta, que precisa ser sustentado a qualquer custo.

A idéia da identidade terrena está ligada à idéia da sustentabilidade.

O que significa construir um planeta sustentável? Significa simplesmente, ou complexamente, construir um planeta que seja viável para as futuras gerações. Se não conseguirmos manter o planeta sustentável, o planeta certamente dará sinais de irritabilidade. Aliás, como já o vem fazendo.

Ensinar, portanto, a identidade da Terra, nossa Terra pátria.


Enfrentar as incertezas

A ciência cartesiana construiu a idéia de que tudo que é científico pertence ao reino da certeza.

Em 1927, Werner Heisenberg construiu seu famoso Princípio da Incerteza, por isso ele foi agraciado com o Prêmio Nobel, na época. E o que diz o princípio da incerteza?

Que o determinado elemento atômico pode se comportar simultaneamente como onda e como partícula.

Nós também, seres humanos, somos ondas e partículas, ou, melhor dizendo, somos partículas e ondas. Somos partículas, enquanto um ser individualizado; somos ondas, como seres portadores de muitas multiplicidades. Então, temos que ensinar nas escolas a idéia da incerteza, que o conhecimento cientifico nunca é um produtor absoluto de certeza, deve, ao contrário, ser crivado pela idéia da incerteza. A incerteza seria aquilo que comanda o avanço do saber, a avanço da cultura, sem certezas. Seria incorporar essa idéia nos ensinos de Química, Física, História, Geografia, Línguas, Filosofias, produzir que tudo aquilo que foi criado pelo homem é crivado pela idéia da incerteza.


Ensinar a compreensão

A compreensão deve ser um meio e o fim da comunicação humana. A comunicação humana deve ser voltada para a compreensão.

Se olharmos para nossas instituições de ensino médio, superior, veremos que o que as caracterizam é a incompreensão. Ou seja, disciplinas que brigam com as outras, departamentos que não se entendem com os outros, áreas do conhecimento que não falam com as outras.

Então seria preciso introduzir o ensino da compreensão nas unidades de ensino em qualquer nível que ela se exerça.

Poderemos estender a idéia da compreensão, dizendo que o planeta também precisa de mais compreensão. Hoje, olhando para o planeta Terra, nossa Terra prática, verificamos que o que o caracteriza é a incompreensão. Incompreensão em todas as partes, incompreensão política, incompreensões ideológicas, incompreensões econômicas.


Ética do gênero humano

O sétimo saber diz respeito à ética do gênero humano. Ética, uma palavra bastante complexa.

O que é a ética? Poderíamos resumir, dizendo que a ética significa apenas não desejar para os outros aquilo que você não deseja para si mesmo.
 A ética do gênero humano é chamada de antropoética. Antropo, homem. O ensino da antropoética precisava ser re-irltroduzido nas escolas e essa é intropoética ela está ancorada em três elementos: o indivíduo, a sociedade, e a espécie. Precisaríamos arranjar uma antropoética que religasse indivíduo, sociedade. Espécie e não os mantivessem separados como eles se encontram nos dias atuais.


Os sete saberes na escola

A compreensão deve ser um o problema maior reside em como aplicar esses sete saberes na reforma da educação. Quer dizer, não se trata de transformar os sete saberes em sete disciplinas. Ao contrário disso, os sete saberes rejuntam as disciplinas.
O que poderia acontecer com isso na vida prática de uma instituição?, Fosse ela do ensino médio ou do ensino superior: Uma redefinição total dos currículos.

Se pegarmos um desses saberes, o da condição humana, por exemplo, teríamos que ensinar nas escolas, que o homem é, simultaneamente, biológico, psíquico e cultura. Isso, traduzido numa grade curricular, implicaria que fossem dados elementos de Biologia, elementos de Antropologia, elementos de Filosofia.

Não significa dizer que, se trata de currículos de generalidades, ao contrário, o objetivo dessa reformulação seria exatamente religar a Biologia à Medicina, à Historia, à Antropologia, e não mantê-las separadas. E claro que isso exige um novo tipo de professor.

Muitas vezes, pensa-se que Pensamento Complexo é um pensamento contra a disciplina, não se trata disso! É o pensamento que abre a disciplina a outros campos. E, se fosse introduzido minimamente nas escolas, certamente a educação iria para outros rumos.


Recursos fundamentais

É claro que há pressupostos, é claro que há fundamentos, é claro que há recusas.

Algumas recusas são fundamentais, tem-se que recusar a separação entre a razão e a emoção, por exemplo! Recusar a separação entre ciência e arte, ciência e mito, que está incrustada no pensamento ocidental, pelo menos desde Descartes. Primeira recusa.

A segunda. Tem-se que assumir, e recusar, e assumir as implicações da recusa que entre o singular e o universal, o local e o global, o sujeito e o objeto, há sempre uma relação de tensão.
Entre o local e o global não há nunca uma relação de total harmonia.
São opostos que se juntam, mas que precisam ser entendidos dessa maneira. Muitas vezes nos tendemos a isolar os opostos, como os opostos que seriam irreconciliáveis.

O Pensamento Complexo nos ensina a assumir a tensão entre o cenário universal, entre o global e o local, entre o individual e o coletivo. Assumir a tensão, mas tentar fazer com que se estabeleça um canal de comunicação entre esses dois elementos. Em outras palavras, o que era aparentemente considerado como oposto, pode dialogar entre si.

A terceira recusa, talvez seja a mais complicada, é aquela que diz que precisamos recusar que o Estado é o único balizador do conhecimento científico. Há outras instituições, que não seja o Estado, que o fazem, e por vezes o faz até muito melhor. O Estado é regido por normas, padrões, religiosidades. Ou assumir, apenas, que o Estado não é o único balizador dos movimentos do conhecimento científico.

Junta-se essas três modalidades, acopla-se essas três modalidades aos saberes, e serão produzidos currículos muito mais criativos.

Poderia se pensar que não seria estranho, por exemplo, numa escola, ao invés de Filosofia, ter uma disciplina denominada a Filosofia da Incerteza. Nada impede que se ensine, tenha-se uma disciplina com o nome Fundamentos da Condição Humana. Nada impede que se tenha uma disciplina que diga Indeterminações da Terra Pátria Há um poeta francês, conhecido do Morin, que esteve presente nas jornadas, que se chama Yves Bonnefoy, o titulo da Comunicação nas Jornadas Temáticas, era o seguinte: é possível ensinar a poesia nas escolas?

E esse poeta dizia como era importante, antigamente, quando os indivíduos da geração dele tinham que aprender de cor um poema, porque senão não passavam de ano.

Aprender de cor um poema não era meramente ficar repetindo o poema como um papagaio, diz esse poeta. É que cada vez que você recita um poema de cor, você abre janelas para o mundo.

Da mesma maneira, podemos dizer a mesma coisa no que diz respeito às Línguas. Toda vez que se aprende uma Língua nova, agregam-se conhecimentos, abrem-se janelas para o mundo, ampliam-se os acontecimentos, amplia-se a "cosmo visão".

Então, construir um currículo multidimensional em todos os níveis - no ensino fundamental, ensino médio, universidade-, seria a tarefa fundamental que o Pensamento Complexo obteria se realmente fosse assumido como pressuposto por todos.

"Na minha opinião, as escolas mais recuadas no tempo são as menos marcadas pela fragmentação disciplinar e pela separação de disciplinas: Então, por exemplo, em outros países nos quais o ensino é aparentemente mais avançado, há. uma reforma de pensamento, uma reforma de escolaridade muito mais necessária. Mas não, eu não posso medir o grau de atraso das escolas brasileiras em relação às escolas francesas. Conheço, sobretudo, uma enorme vontade de um número grande de educadores brasileiros, muito maior do que de educadores na França." {Edgar Morin}.





4  PSICANÁLISE: SUA CONTRIBUIÇÃO À EDUCAÇÃO



Sigmund Freud, o fundador da psicanálise, foi um médico austríaco, nascido em 1856, nas proximidades de Viena, onde estudou medicina especializando-se em neurologia (parte da medicina que estuda as doenças do sistema nervoso).

Durante muitos anos, em Viena; Freud trabalhou com dedicação e persistência, cuidando de doentes e observando pessoas sãs. Assim, Freud tornou-se um grande conhecedor da mente humana.

Então, publicou uma doutrina psicológica completamente nova, explicando o funcionamento da mente e o desenvolvimento da personalidade. Essa doutrina foi chamada psico-análise, hoje, psicanálise.

A doutrina freudiana difundiu-se por todo o mundo e influenciou vários, campos da atividade humana, principalmente a psiquiatria (parte da medicina que trata das doenças mentais). É grande, também, O número de psicanalistas dedicados a aplicar a psicanálise à educação da infância.

Vejamos alguns pontos da teoria psicanalítica que ajudam pais e professores a compreender melhor a infância, aumentando sua capacidade de previsão e controle do comportamento de seus filhos e alunos.

Sigmund Freud (1856-1939) criou a escola de pensamento chamada psicanálise, tornando-se, talvez, a figura mais famosa da psicologia. Esse médico vienense, durante o dia, tratava doentes com distúrbios nervosos e, a noite, escrevia suas observações e pensamentos. Freud concluiu dessas observações, que todo o comportamento é motivado, e que os motivos estão geralmente escondidos do individuo, o que leva muito comportamento a parecer irracional. A fonte básica desses motivos é a libido, ou impulso de busca do prazer.

Freud descreveu a personalidade como resultado de três componentes: id, ego e superego. Muito da ansiedade humana resulta do conflito interno entre esses três componentes. Distúrbios da personalidade adulta podem ser estudados e mostrarem que suas causas estão diretamente ligadas a ansiedade e traumas na infância.


4.1  Doutrina Freudiana

Libido. Observando seus pacientes, Freud constatou que, na maioria das vezes, a doença mental é provocada por um problema sexual. Além disso, Freud também estudou pessoas normais e chegou à conclusão básica de sua teoria: o comportamento humano orienta-se pelo impulso sexual.

Freud dá o nome de libido ao impulso sexual. Libido é uma palavra latina, feminina, que significa prazer. A libido é uma força de grande alcance na nossa personalidade; é um impulso fundamental ou fonte de energia.

Após alguns anos. Freud ampliou o sentido da palavra libido, abrangendo, também, o impulso de agressão.

Elementos da personalidade. Freud divide a personalidade humana em três elementos: id, ego e superego. Id. É a parte irracional ou animal, biológica, hereditária, que existe em todas as pessoas, sempre procurando satisfazer a libido, os impulsos sexuais.

Esses impulsos do id, na maioria, são inconscientes, passam despercebidos.

Superego. Desde que nascemos, vivemos em um grupo social do qual vamos recebendo influências constantes. Desse grupo vamos absorvendo, aos poucos, idéias morais, religiosas, regras de conduta etc., Que vão constituir uma força em nossa personalidade. A essa força, que é adquirida lentamente por influencia de nossa vida em sociedade, Freud chama de superego.

O id e o superego são forças opostas, em constante conflito. O superego, quase sempre, é contrário à satisfação de nossa natureza animal, enquanto o id procura satisfazê-la. Essa luta entre id e superego, imperceptível na maioria das vezes, é inconsciente. 

Ego. O que procura manter o equilíbrio entre essas forças opostas é a nossa razão, a nossa inteligência, à qual Freud chama de ego. O ego tenta resolver o constante conflito entre id e superego. Numa pessoa normal, o conflito é resolvido com: êxito.

Quando o ego consegue equilibrar as duas forças conflitantes, a saúde mental normal é normal.  Mas, no momento em que o ego não consegue mais manter essa harmonia, aparecem os distúrbios mentais.

A teoria de Freud é que "nossa personalidade é dinâmica, e resulta de duas forças antagônicas: o id e o superego".
Níveis da vida mental. Ao apresentar a sua teoria, Freud explicou o que ele entendia por inconsciente. Não foi ele, porém, que primeiro afirmou a existência de uma vida mental inconsciente. Não foi ele, porém, que primeiro afirmou a existência de uma vida mental inconsciente. Antes dele, já se falava nisso.

Freud explicou que· a nossa vida mental se dá em três níveis consciente, pré ou subconsciente e inconsciente.

Nível consciente. Há fenômenos mentais que e deles estamos tomando conhecimento, imediato. Por exemplo: sei o que estou pensando, sei das percepções, das emoções que estão ocorrendo agora em minha mente.

Nível pré-·consciente (ou subconsciente). Há fenômenos que não estão se passando agora em minha mente, mas que são do meu conhecimento. Sei da existência dos mesmos, posso chamá-los à minha mente quando quiser ou necessitar. Posso evocá-las. Por exemplo: posso reviver, em certos momentos, muitos fatos que se passaram comigo, nos quais não estou continuamente pensando: evoco lembranças, emoções etc.

Esses fatos, tanto os que estão acontecendo agora em minha mente como aqueles que eu poderia evocar neste momento (conscientes e pré-conscientes), são fatos do meu domínio, conheço-os. Tenho consciência deles.

Nível inconsciente. Para entender a teoria de Freud, é importante aceitar a existência dos fenômenos mentais inconscientes. São fenômenos que se realizam em nossas mentes sem que o saibamos. Eles nos passam despercebidos, nós os ignoramos.

Já se afirmava, antes de Freud, a existência da vida mental inconsciente. Ele, porém, teve o mérito de:
§  fornecer meios para conhecer a vida mental inconsciente: as técnicas psicanalíticas (a associação livre, a análise dos sonhos e a análise dos atos falhos);
§  afirmar que os fatos inconscientes têm grande influência na direção de nosso comportamento, na orientação de nossas' ações. Por exemplo, podemos ignorar a existência em nós de emoções, tendências e impulsos, os quais, na realidade, estão influenciando fortemente as nossas vidas.

Desenvolvimento psicossexual. Freud apresentou uma explicação psicossexual ao desenvolvimento humano. Ele foi o primeiro a tratar da sexualidade infantil.

Segundo Freud, o impulso sexual já se manifesta no bebê – como e ser comprovado pela observação direta de crianças e pela análise clínica de crianças e adultos, bem como pela similaridade das manifestações do impulso sexual entre elas e o adulto: beijos, carícias, olhares, exibições etc.

Em 1905, em seu livro três ensaios sobre a sexualidade, Freud descreveu a seqüência típica das manifestações do impulso sexual, distinguindo cinco fases: oral, anal, fática, de latência e a fase adulta, chamada genital. A transição de uma fase a outra é muito gradual; as fases se superpõem e sua duração varia de um individuo para outro.

Fase oral (de 0 a 18 meses). Durante o primeiro ano e meio de vida, aproximadamente, os lábios, a boca 'e a língua são os principais órgãos de prazer e satisfação da criança: seus desejos e satisfações são orais. Essa afirmação baseia-se na análise clínica de crianças de mais idade e de adultos; é possível também observar no dia-a-dia a importância, para crianças dessa idade e mesmo mais velhas, de atos como sugar, pôr coisas na boca e morder, como fontes de prazer.

Se as necessidades forem satisfeitas, a pessoa crescerá de maneira psicologicamente saudável; se não o forem, seu ego será imperfeito. Por exemplo, se as necessidades orais forem frustradas durante esse período, por desmame prematuro, por afastamento rigoroso de todos os objetos para sugar (incluindo o polegar), o ego poderá ser incapaz de superar os desejos orais frustrados. Alguns psicanalistas atribuem o alcoolismo, por exemplo, a frustrações na fase oral.

Fase anal (de 18 meses a 3 anos). No ano e meio seguinte, época em que a criança está sendo ensinada a controlar as fezes e a urina, sua atenção se focaliza no funcionamento anal. Por isso, a região anal torna·se o centro de experiências frustradoras e compensadoras.

Os pais aprovam e recompensam a criança por uma defecação no local e no momento adequados, e procuram desestimular a mesma atividade em circunstâncias inadequadas. Sensações de prazer e desprazer associam-se tanto com a expulsão como com a retenção das fezes, e esses processos fisiológicos, bem como as fezes em si, são objeto do mais intenso interesse da criança. Esta é a chamada fase anal.

Se, durante este segundo estágio, sobrevierem muitas frustrações, devidas a um treino excessivamente severo de controle dos esfíncteres, o ego poderá ser prejudicado em seu desenvolvimento.

Psicanalistas atribuem a avareza, a exagerada preocupação com a limpeza e a meticulosidade (no adulto) a frustrações ocorridas fase anal. Esses traços constituem a chamada personalidade anal. Avareza ou sovinice, isto é, o prazer no acúmulo e guarda de bens, poderia ter-se originado do prazer que a criança experimentou e reter as fezes.

A exagerada preocupação com a limpeza e a ordem (tanto no plano material quanto no mental) tem sido relacionada com exigências excessivas de limpeza que os pais fazem às crianças nessa idade.

Fase fálica (de 3 a 7 anos). Por volta do final do terceiro ano de vida, o papel sexual principal começa a ser assumido pelos órgãos genitais e, em regra, é por eles mantido até a vida adulta. Essa fase do desenvolvimento sexual recebeu o nome de fálica (falo = pênis), pois o pênis é o principal objeto de interesse para a criança de ambos os sexos.

Nesta fase, merecem menção algumas manifestações do impulso sexual. Uma delas é o interesse pelas diferenças anatômicas entre os sexos. A criança deseja ver os genitais das outras, bem como mostrar os seus. Sua curiosidade e exibicionismo, naturalmente, incluem outras partes do corpo, bem como outras funções orgânicas.

Durante esse período, a criança se interessa também pelo papel que o pai desempenha na procriação, pelas atividades sexuais dos pais, pela origem dos bebês - temas freqüentes de suas fantasias. Nesse sentido, admoestações excessivas e punitivas sobre os interesses e atividades sexuais teriam efeito negativo na posterior identificação sexual. De acordo com a concepção freudiana, impotência sexual, frigidez, exibicionismo e homossexualidade são considerados deficiências do ego derivadas do período, fâ1ico.

É ainda nessa fase que aparecem' os complexos de Édipo e de castração. Os, psicanalistas chamam de complexo de' Édipo a atração da criança pelo progenitor do sexo oposto, que ocorre aproximadamente dos 3 aos 5 anos. (O jovem príncipe Édipo, personagem-título da tragédia grega Édipo rei, de Sófocles, assassina o pai e casa-se com a mãe.)

Nesse período configura-se o fenômeno da identificação com o progenitor do mesmo sexo. Os psicanalistas explicam os fatos do período fálico da seguinte maneira: a criança ama o progenitor do sexo oposto; percebendo, porém, que este tem uma afeição especial pelo progenitor do mesmo sexo que ela, procura assemelhar-se a este ultimo, identificar-se com ele, para também merecer o amor do progenitor do sexo oposto.

Uma menina, portanto, gosta muito de seu pai e percebe que este tem especial afeição para com sua mãe. Então, para merecer o amor do pai, procura identificar-se com a mãe, imitando-a (usando sapato de salto alto, batom, ocupando-se das tarefas maternas etc.).

Esta menina, vivendo num lar harmonioso, tornar-se-á bem feminina. Transpondo, porém, a mesma situação para um lar em que o marido deprecie a esposa, a filha deste casal – que ama o pai e quer sua afeição – não procura identificar-se com a mãe, e quem não julga bom modelo. Para evitar parecer-se com ela, poderá tornar-se uma personalidade com características masculinas.

A mesma situação repetir-se-á, analogamente, com o menino: num lar normal, harmonioso, o menino procurará imitar o pai, para merecer a afeição da mãe, a quem muito ama. Tornar-se-á bem masculino. Todavia, num lar em que haja desavenças, em que a esposa deprecie e ridicularize o marido, o menino, desejando o amor da mãe, não procurará imitar o pai. Ao evitar o modelo masculino, poderá tornar-se uma personalidade com características femininas.

É neste período que cada um assumira sua identidade sexual para toda a vida. Segundo Freud, o complexo de Édipo é reprimido no menino e convertido em angustia de castração. Na imaginação infantil, o pai, inicialmente amado, passa a ser temido, pois o menino receia que, por ciúme, seu genitor queira realmente tirar-lhe os órgãos sexuais.  No final desta fase, sobrevém a repressão da hostilidade para com o pai e do amor pela mãe. Freud, porém, não explicou o desenvolvimento das meninas tão explicitamente quanto o dos meninos.

Todos nós sofremos uma amnésia infantil, isto é, comumente esquecemos, à medida que crescemos os interesses sexuais de nossa infância. É mais exato dizer que as lembranças de tais interesses são energicamente reprimidas, não aflorando ao nível da consciência.

Tanto nos meninos quanto nas meninas, outra conseqüência do período edipiano é o desenvolvimento da consciência moral ou do superego. Ao identificar-se com os pais, a criança adquire seus padrões, seus valores. Ela aceita como regras de ação, fazer o que os pais aprovam e evitar o que eles condenam. Quando a criança transgride essas regras ou normas, uma “voz interior” condena-a e a faz sentir-se culpada. A obediência aos padrões morais dos pais alivia seu medo de perder o amor deles, a mais séria das ameaças.

A fase fálica apresenta grande tensão e muitas dificuldades para a criança, “Sua solução é importante para o desenvolvimento normal, e os desvios em sua resolução estão atrás de quase todas as dificuldades neuróticas dos adultos de nossa cultura.” (BALDWIN, A. L. Teorias do desenvolvimento da criança. São Paulo, Pioneira, 1973, p. 344).

Para Freud e seus adeptos, aspectos extremamente significativos de nosso desenvolvimento pessoal e emocional são determinados durante os primeiros sete anos de nossa vida. Práticas inadequadas e educação das crianças resultarão em prejuízo para o seu ajustamento quando adultos.

A personalidade adulta é grandemente afetada pelas experiências emocionais da infância ou, em outras palavras, pela qualidade da alteração entre a criança e os adultos significativos para ela. (A esse respeito, Freud afirmou: “a criança é pai do homem".)

Fase de latência (de 7 a 12 anos). Após as fases oral, anal e fálica, segue-se a de latência, aproximadamente entre 7 e 12 anos. Esse período corresponde aos anos da escola de primeiro grau, quando a criança estará voltada p,ara a aquisição de habilidades, valores e papéis culturalmente aceitos.

Em relação à fálica - com tantas dificuldades e tensões – esta fase parece ser bem mais calma. Ela é chamada de latência porque s impulsos são impedidos de se manifestar. Nesta fase aparecem na criança barreiras mentais, impedindo as manifestações da libido, barreiras essas que Freud identificou como repugnância, vergonha e moralidade. O impulso sexual dirige-se para finalidades culturais: domínio Ia leitura, da escrita e de muitas outras habilidades.

Esta é uma época de nítida separação entre meninos e meninas: de rivalidade entre os dois grupos.

Depois da puberdade (que ocorre aproximadamente dos 12 aos 4 anos para as meninas e dos 14 aos 16 para os meninos), começa a fase adulta, que: é conhecida como genital.

Fase genital (idade adulta). Segundo Freud, nesta fase, a libido, através da atividade sexual normal, é descarregado em um ser humano 'sexo oposto. É a fase dos interesses heterossexuais.

Mecanismos de defesa (ou “dinamismos" freudianos). Freud (afirma que nossa personalidade é o resultado do conflito entre duas forças opostas: o id - força biológica) natural) procurando satisfazer nossos  pulsos sexuais - e o superego - força social. Adquirida, procurando impedir a satisfação da libido.

Nossa razão, ou nosso ego, poderá harmonizar esse conflito de varias maneiras. Freud chama de mecanismos de defesa do ego os modos de equilibrar essas duas forças opostas, alguns dos quais são: repressão, conversão, sublimação etc.

Repressão. E o "dinamismo" que mais comumente usamos para acomodar a oposição entre nossas tendências naturais e nossa consciência moral, que as julga más e socialmente indesejáveis.

Esse "dinamismo" consiste em não admitir a existência das tendências o id, não pensar nelas, ignorá-las, tomá-las inconscientes ou recalcá-las. Por exemplo, uma pessoa que tenha agressividade para com seu pai poderá reprimir esse antagonismo, recalcá-lo; ela não admitirá a existência do mesmo, conseguirei torná-lo inconsciente.

Essa tendência não desaparecerá totalmente, mas continuará a existir e procurará se manifestar no pensamento, procurará passar para o nível consciente.
Os impulsos reprimidos conseguirão se manifestar, algumas vezes, enquanto estarmos adormecidos, através dos sonhos; outras vezes, quando estamos acordados, através dos atos falhos; e, também, em estados de intoxicação por álcool ou outras drogas.

Conversão. Freud explicou que, muitas vezes, não conseguimos harmonizar os impulsos do id com o superego por meio de outros mecanismos. Então, a luta, o conflito entre essas duas forças vai se converter em um sintoma físico: paralisia, dores de cabeça, perturbações digestivas etc.

No século XX, a medicina mudou seu modo de encarar certos problemas: os médicos, atualmente, não consideram o corpo isolado da mente. Aceitam que o estado da mente influi no corpo e vice-versa. Existe uma inter-relação entre corpo e mente. Antigamente, os estudiosos consideravam separadamente esses dois componentes· da pessoa. A medicina atual, porém, é psicossomática: corpo e mente estão muito ligados; não podemos aceitar que: nosso corpo esteja bem quando temos problemas emocionais. Por outro lado, a doença física faz a p1essoa pessimista, deprimida etc. Corpo e mente são dois elementos que se interinfluenciam.

Conversão é, portanto, a transformação de conflitos emocionais em sintomas físicos. Diz o doutor Arthur Ramos, no livro A criança problema que muitos dos problemas emocionais das crianças podem se converter em· "tiques" (movimentos automáticos sem finalidade).

Sublimação. É a satisfação modificada dos impulsos naturais, em atos socialmente mais aceitáveis.

Os psicanalistas afirmam que uma pessoa pode satisfazer seus desejos naturais entregando-se à arte, à religião, a obras sociais etc.

A sublimação tem importante papel, no desenvolvimento do homem civilizado e nas realizações culturais. É o mecanismo de defesa mais recomendado em educação.


1.       Psicanálise e Educação

4.2  Psicanálise e Educação


Freud relacionava o comportamento apresentado pelo indivíduo adulto com episódios de sua vida infantil. A importância atribuída pela psicanálise à infância das pessoas, sua explicação sobre as características emocionais das diferentes fases da vida humana e outras afirmações de Freud tiveram muita influência na educação.

Pais e professores, apoiados na psicanálise, ganharam maior compreensão da infância e, portanto, maior capacidade de previsão e controle do comportamento de seus filhos e alunos.


Bibliografia

BALDWIN, A. L, Temias do desenvolvimento da criança. São Paulo, Ed. Pioneira, 1973,

BIAGGIO, A. M. B. Psicologia do desenvolvimento. Petrópolis, Ed.Vozes, 1978.
BRENNER, C. Noções básicas de psicanálise. Rio de Janeiro, Ed. lmago. 973.
DORIN, E. Dicionário de psicologia, São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1978.
FREUD, S. Três ensaios sobre a sexualidade. Rio de Janeiro, Ed. Imago, 1973.
HALL, C. S. e LINDZEY, G. Teorias da personalidade. São Paulo, Ed. Herder, 1971.
CH, D. e CRUTCHFIELD, R. S. Elementos de psicologia. São Paulo, Ed. Pioneira, 1968.


4.3 Questionários


1. Quem foi Freud? Situe-o no tempo e no espaço.
2. O que Freud chama de libido?
3. O que é id, na teoria freudiana?
4. O que a psicanálise chama de superego?
5. Qual É o papel do ego, na teoria freudiana?
6. O que são fenômenos mentais inconscientes?
7. Qual o valor atribuído por Freud ao inconsciente?
8. Enumere as fases pelas quais, segundo Freud, passa em nosso desenvolvimento psicossexual, indicando a idade aproximada correspondente a cada uma delas.
9. Quais os principais órgãos de prazer e satisfação para a criança, na primeira fase?
10. Qual é o principal interesse da criança na fase fálica e como ele se manifesta?
11. Explique em que consistem os complexos de Édipo e de castração.
12. Como se dá a adoção do papel sexual para toda a vida, realizada pela criança, na fase fálica?
13. Quais' os temas mais freqüentes, das fantasias sexuais de crianças, na fase fálica?
14. O que acontece com as lembranças dos nossos interesses sexuais da infância?
15. Descreva o chamado período de latência.
16. Como é chamada a fase adulta do nosso desenvolvimento psicossexual?
17. Que é repressão?
18. Em que consiste a conversão?
19. O que os psicanalistas chamam de sublimação?


 LEITURA COMPLEMENTAR


A descoberta do corpo


Não é por acaso que o espírito desperto da criança a leva a se interessar por seu corpo e pelo dos outros.
Já por volta dos dois anos e meio a criança adquire consciência de seu sexo, e também de seu un1bigo. Leva as mãos ao umbigo, chega a dobrar-se para examiná-lo mais de perto e tenta introduzir o dedo na cicatriz umbilical. Mas não diz nada a respeito. Aos três anos, a criança exprime verbalmente suas preocupações, começa a fazer perguntas e se mostra muito preocupada com as diferenças que observa entre meninos e meninas. Este interesse pelo sexo dá margem a que a mãe procedia, com a maior naturalidade, à primeira educação sexual de seu filho.

A todas as perguntas cumpre responder de maneira natural, com exatidão, mas sem ultrapassar os limites da curiosidade infantil. Deve-se, igualmente, favorecer - o mais possível - o encontro de crianças novas, de ambos os sexos, nus, na hora do banho, de lavar-se, à beira-mar ou à beira rio. É na idade de três anos que meninos, e meninas devem tomar conhecimento de suas conformações respectivas. Eles o farão com calma, interesse, e sem nenhuma segunda intenção.
Para eles, o sexo não é mais atraente do que um braço ou um pé.
Nesse momento, por outro lado, a mãe não deverá manifestar constrangimento nem desviar a criança desse centro de interesse. Todas as perguntas devem ser aceitas por ela e devem ser respondidas.

É comum, nessa idade ver as meninas intrigadas pela posição adotada pelos meninos para urinar. Elas querem, por seu lado, experimentar esse método, e desapontadas ao verificar seus inconvenientes.

Entre os meninos fazem-se competições para saber quem urina mais longe ou mais alto.

Por outro lado, quer se trate de urna menina, quer de um menino, não é raro que a criança de três ou Quatro anos, que acaba de descobrir seu próprio sexo, sinta orgulho em mostrá-lo aos quatros e procure saber se o sexo destes é exatamente como o seu. São saias erguidas, olhares indiscretos pelo buraco das fechaduras, brincadeiras de médico ou de' papai e mamãe, todas essas manifestações que certos pais vêem com angústia e classificam de "coisas feias".

Não obstante, a criança deve passar livremente por esse estágio da primeira iniciação sexual. Não se veja nisso nem depravação nem propensões "viciosas". Qualquer malicia, qualquer sentimento de culpa está ausente do espírito e da consciência da criança e é a presença deles no espírito e na consciência dos adultos que pode vir a dar cores negativas a uma pesquisa inteiramente justificável.

Convém, portanto, evitar a projeção de nossos próprios problemas sexuais Sobre a criança que se descobre tal como é, menina ou, menino, e, pelo contrário, ajudá-la a tornar precisas as diferenças, não deixando nunca de valorizar a feminilidade que a garotinha tenderia a considerar como um estado de frustração.

Quanto mais sadias e naturais forem às reações dos pais, mais, suas respostas serão exatas, francas, e mais depressa a fase exibicionista será ultrapassada.

A IDADE EDIPIANA


Conforme todo mundo sabe, na tragédia antiga, Édipo foi um príncipe grego levado pela fatalidade a, matar seu pai e casar-se com a mãe. Tornando-se, um dia, consciente do parentesco até então ignorado, vazou os olhos de desespero.

O nome de Édipo foi retomado pelos psicólogos e psicanalistas para, simbolizar o conflito real e profundo, posto que inconsciente, por que passa a criança entre os três e cinco anos. 

Simplificando ao extremo, poder-se-ia dizer que o garotinho lesto apaixonado pela mãe e vê no pai o rival. Nessa idade, aliás, ele diz volta e meia: "Quando eu for grande, eu vou me casar com a mamãe”.

A garotinha segue o mesmo esquema, mas está apaixonada pelo pai e gostaria de se descartar da mãe.

É claro que tudo isso não ocorre sem conflitos, os primeiros os conflitos reais da infância, já que o menino (ou a menina) não deixa de amar o genitor do mesmo sexo que ele (ou ela) e sofre por detestá-lo ao mesmo tempo. Esta ambivalência vale dizer, este dilaceramento entre dois sentimentos fortes, radicalmente antagônicos, é muito dolorosa para a criança que atravessa, então, momentos de insatisfação, consigo' mesma, transportes de ternura para com o genitor do sexo oposto de agressividade violenta contra o genitor do mesmo sexo e outros procedimentos contraditórios.

Se os pais têm consciência do que se passa, podem suportar melhor assim chamadas "fantasias" de seu filho de três a cinco anos. Evitam dramatizar e ajudam-no, tranqüilamente, a superar sua crise. "Quando você crescer - diz a mãe ao seu garotinho carinhoso -, você também vai se casar como uma menina encantadora. A mamãe já está casada com o papai."

Quando a crise edipiana não é vivida em condições favoráveis e permanecer latente, recalcada no inconsciente durante a vida inteira, gerando um bom número de dificuldades psicológicas.


(Enciclopédia da mulher e da família. Rio de Janeiro, Editora Delta, Vol. VI, p.1357)



QUESTÕES DE ESTUDO


1. Aproximadamente, em que idade a criança expressa verbalmente sua preocupação com as diferenças anatômicas entre os sexos?
2. Como a mãe deve agir, nessas primeiras oportunidades, ao iniciar a educação sexual de seu filho? .
3. Cite comportamentos infantis comuns na fase exibicionista.
4. Como agir diante das manifestações da curiosidade infantil pelo sexo?
5. Em que idade, aproximadamente, a criança vive o chamado conflito edipiano?
6. Explique os aspectos emocionais que caracterizam essa importante fase.
7. Como o conhecimento das emoções naturais dessa fase poderia ser útil aos pais?
8. Explique por que os psicanalistas denominam essa idade de edipiana.



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